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UMA PRÁTICA 
 TRADICIONAL DE SUBSTITUIÇÃO 
 
RESUMO 
 Ana Maria Amaro 
 
	  Numa 
	altura em que a dita crise do Ambiente faz repensar técnicas tradicionais, 
	em vias de extinção, inventariar essas técnicas, a nível do nosso País, 
	principalmente nas aldeias mais isoladas, onde a cultura rural se encontra, 
	talvez, ainda, num estado mais puro, parece-nos inadiável. 
Na aldeia de Sendim, debruçado no vale do Douro, que serve de fronteira 
com a Espanha, pratica-se, ainda, uma curiosa técnica para afastar as formigas 
das vinhas, depois de podadas.  Consiste, esta técnica, em colocar um calhau de 
quartzo compacto (frequente na região, nas várias cascalheiras resultantes da 
erosão dos pilões que atravessam os xistos, um pouco por toda a parte), sobre o 
topo ou «cabeço» da cepa, após a poda. 
Da análise das amostras recolhidas, parece concluir-se que não se trata 
dum fenómeno químico mas de um fenómeno físico de reflexão da luz e/ou de 
mimetismo batesiano, aplicado a um calhau que lembra, de facto, um bloco de 
neve. 
Por outro lado, nas origens de tal prática parece-nos que pode 
encontrar-se um resquício das antigas práticas tradicionais agrícolas, 
relacionadas com o ciclo lunar. 
Por analogia do calhau de quartzo com a Lua Cheia, poder-se-ia ter 
usado aquele, com o objectivo de se obter, assim, uma frutificação mais 
próspera, das videiras. 
Reutilizar técnicas tradicionais não significa um retorno ao passado, 
com rejeição da senda do Progresso, mas uma integrarão, dessas técnicas, na 
moderna Agricultura biológica, ainda em fase experimental, mas francamente 
voltada para o futuro. 
Numa altura em que o espectro do crescimento demográfico e da 
concomitante crise do ambiente, resultante dum excesso do consumo de energia 
per capita, levam a repensar as técnicas da agricultura industrial, as 
práticas agrícolas de baixa energia, apoiadas nos conhecimentos empíricos da 
exploração racional dos recursos do meio, começam a ser encaradas, não com o 
sorriso céptico dos antigos cientistas mas sob um enfoque ecológico, como 
modelos de futuras alternativas de sobrevivência. 
No âmbito da Ecologia Aplicada, de há muito que nos vimos interessando 
pelo estudo dessas técnicas, conservadas pelo povo português, principalmente nas 
aldeias mais isoladas do Norte, técnicas estas integradas no âmbito da chamada 
Etnoecologia, e que tendem, inevitavelmente, a perder-se, a mais ou menos curto 
prazo. 
Um singular exemplo de sabedoria naturalista popular que encontramos na 
bacia do Douro, consiste na utilização de um calhau de quartzo, de 0,5 kg a 3 
kg, que se coloca sobre cada cepa, contra a invasão das formigas, depois de 
podarem as vinhas. 
Segundo um exaustivo levantamento de dados, realizado, no local, pelo 
nosso ex-aluno Carlos Nascimento Ferreira, que foi, aliás, quem nos alertou para 
a existência desta prática na sua aldeia, este uso, cuja origem se perde no 
tempo, tem sido transmitido de geração em geração, tendo logrado chegar aos 
nossos dias, por ser tido como, realmente, eficaz. 
A aldeia, onde este uso alternativo dum «pesticida» natural tem 
perdurado, é Sendim, no Concelho de Miranda do Douro, Distrito de Bragança. 
Sendim, está situada na margem direita do rio Douro, tendo fronteiras, 
na outra margem, terras de Espanha, de onde consta virem, às vezes, portadores 
para trabalhar. 
Esta freguesia transmontana, que, em 1981, contava 1612 habitantes, 
possui, já, infra-estruturas, tais como água canalizada, rede de esgotos e 
electricidade, faltando-lhe, apenas, uma estação de tratamento de lixos, 
problema que, aliás, afecta ainda, a maior parte das povoações de Portugal, 
mesmo quando se trata de grandes cidades. 
A economia da aldeia de Sendim assenta na agricultura, principalmente 
na viticultura, que se faz em terraços voltados para a Espanha, e que descem 
para o Douro. 
Pode dizer-se que a agricultura é essencialmente tradicional, embora, 
devido a terem perdido o seu antigo isolamento, os agricultores possuam, já, 
máquinas agrícolas, nomeadamente tractores e debulhadoras-ceifeiras.  No 
entanto, são várias as dificuldades que se opõem à mecanização dos trabalhos 
agrícolas.  Entre estas, ressaltam a dominância da pequena propriedade, assente 
em terrenos muito declivosos, e, no caso especial da vinha, um tipo de plantação 
com o qual se não coaduna a utilização da máquina. 
Assente em terrenos xistosos do complexo xisto-grauváquio, cortados por 
grandes, pilões de quartzo, alguns de grande possança, podendo apresentar 5 
quilómetros de largura, não é de estranhar que, por toda a área, se encontrem 
cascalheiras de quartzo desmantelado pela erosão.  Aos calhaus deste mineral, 
desagregados pelas forças erosivas, chama, a população local, xeixos brancos. 
A vinha cultiva-se, em Sendim, nas áreas declivosas, como já se disse, 
alinhada em «valados», distanciados, entre si, de cerca de 1,20 metros, estando, 
cada pé, afastado do valado, cerca de um metro.  Cerca de 45 % do espaço 
agrícola da freguesia é ocupado por vinhas, variando cada terreno de exploração, 
de 0,5 há a 15 ha. 
Devido a carências em água, a videira raramente atinge, naqueles 
locais, uma altura superior a 40 cm, ocupando, cada «cepa», cerca de 1 m2. 
No entanto, a produção pode considerar-se satisfatória, sendo 85% 
desta, usada para venda à Cooperativa de Sendim, a cargo da qual se encontra o 
fabrico do vinho destinado ao consumo do produtor, e sendo, os restantes 15 % 
das uvas, utilizados directamente na alimentação, quer frescas, quer secas. 
Sem entrarmos em pormenores acerca da cultura das vinhas, em Sendim, 
local onde, hoje, se interpenetram a cultura tradicional e as técnicas modernas, 
com utilização de herbicidas, insecticidas e adubos químicos, debruçar-nos-emos, 
apenas, sobre a operação da poda. 
De Dezembro a fins de Fevereiro, poda-se a vinha, em Sendim. É o 
proprietário e os seus familiares, ou portadores, «feireiros» da aldeia que se 
dedicam a esse trabalho.  A técnica foi aprendida com os pais e estes 
aprenderam-na com os avós. 
Feita a poda, coloca-se, no topo do «cepo», um dos ditos xeixos 
brancos, que não se procuram longe, mas sim no próprio local, e não se partem 
para se obter um tamanho apropriado, porque se encontram ali, em abundância, 
calhaus de várias dimensões, que se podem escolher com facilidade. Alguns 
ficarão, provavelmente, no terreno, de uns anos para os outros, porquanto, uma 
vez colocados, não se retiram, mantendo-se no topo ou «cabeça da cepa», durante 
dois a três meses ou, mesmo mais, até cairem por si, aquando da lavra da vinha 
ou, então, durante as vindimas. 
A colocação destes seixos, na «cabeça da cepa», (Fig. 3) destina-se a 
«afastar as formigasse e a reduzir, assim, a invasão de outros parasitas.  E o 
facto é que as vinhas que 
É de assinalar, aqui, que nem todos os viticultores de Sendim adoptam 
este processo. No dizer dos informadores de meia idade, hoje em dia há muitos 
agricultores que já não têm conhecimento deste «pormenor» e são só os mais 
velhos que o utilizam, pois afirmam que é «certeiro», isto é, dá sempre 
resultado. Os «novos» dizem tratar-se de coisas de velhos e que, hoje, o melhor 
e mais seguro são os «remédios» (pesticidas), pois «matam de uma vez». 
No entanto, todos os agricultores sabem, por experiência, que há 
«vários» tipos de insectos que afectam as vinhas, tais como borboletas, 
filoxera, «pulgão» e «formigo». 
O uso de pesticidas incrementou-se, em Sendim, a partir de 1975, mas o 
uso de xeixos brancos continuou a manter-se entre os agricultores mais 
idosos, tal é a confiança que depositam nas suas propriedades. 
Um pormenor a registar é que estas pedras só se usam contra as 
formigas, invasoras das cepas, e não noutros casos, por exemplo para as afastar 
das habitações. 
A interpretação que dão, os horticultores, acerca da acção desta pedra 
é que herdaram o uso dos seus antepassados, ignorando se ele veio ou não de 
Espanha, e se ali, perdura, ainda, nalguns pontos.  O que é certo é que, nas 
aldeias vizinhas portuguesas, se, este uso, alguma vez foi corrente, perdeu-se, 
dele, toda e qualquer notícia, encontrando-se, hoje, cantonado às vinhas da 
margem do Douro, da Freguesia de Sendim. 
Uma outra técnica tradicional associada à do uso do xeixo branco,
para afastar os insectos da vinha, consiste em fazer-se, na altura da poda, 
um covacho à volta da cepa, operação que tem o nome de escavicar e que se 
destina a aquecer o solo evitando a produção dos «pulgões».  Em Maio este 
covacho circular é, de novo, preenchido com terra para que ali se concentre 
maior humidade necessária à frutificarão. È de notar que o conhecimento 
empírico do ciclo vegetativo dos insectos parasitas da vinha, aparece nítido 
nestas práticas. 
Para maior segurança, porém, os viticultores de Sendim, invocam, 
também, a protecção Divina, realizando, em Março, quando os insectos costumam 
aparecer, uma procissão que tem por fim pedir a Deus que o «pulgão» não 
destrua, nesse ano, as vinhas. 
   Interrogados os viticultores tradicionais, quanto aos prejuízos 
causados às vinhas, pelos insectos que mencionaram, revelaram conhecimentos 
muito curiosos, pelo fundo científico que encerram: 
Embora as formigas invadam a planta e a debilitem, o grande problema 
prende-se com o «pulgão».  A formiga «cria e cuida» do «pulgão», pois «este 
fabrica açúcares a partir das folhas da videira, açúcares que lhe servem de 
alimento».  Por seu lado, a «formiga leva, ao pulgão, as folhas necessárias para 
este se alimentaras e elimina os seus «resíduos» (açúcares que produz). 
Os insectos só aparecem depois das vinhas rebentarem.  Por isso se 
colocam os xeixos brancos logo após a vinha ser podada.  E recomendam: «o 
que é necessário é que o xeixo seja branco». 
As pessoas contactadas em Sendim, e que se prontificaram, da melhor 
vontade, a prestar todas as informações que lhe foram solicitadas, mostraram 
grande curiosidade em saber «qual a qual» que estava por «detrás da pedra»... 
E claro que encontrar uma explicação definitiva não é muito fácil. 
Limitar-nos-emos a apresentar, apenas, algumas hipóteses que nos parecem 
pertinentes, mas que ficam sujeitas, a futuras correcções. 
Neste assunto há três aspectos fundamentais a considerar: 
     1    - Quais os parasitas das vinhas e suas interrelações com as 
formigas; 
    2 - Relação formiga - xeixo branco; 
    3- Possíveis origens do uso do xeixo branco, como 
mirmecófugo, em terras de Sendim. 
   
1 - 
Parasitas da vinha e suas interrelações com as formigas 
A vinha é parasitada principalmente por Afideos, de entre os 
quais se destacam a Phyloxera vastatrix (que tem um ciclo vegetativo bem 
conhecido, vivendo nas raízes da videira e, depois, nas folhas, onde provoca 
galhas), a Púlvinaria vitis (cochonilha da vinha) por alguns agricultores 
confundida com o pulgão, que dá o cotão da vinha, ou algodão da vinha, sendo, 
também, conhecida por conchonilha vermelha, piolho vermelho ou pulvinaria e 
ainda o impropriamente chamado pulgão da vinha - Haltica ampelophaga (= H. 
lythri Aubé ssp. ampelophaga Guer.) 
 No esquema seguinte estão representadas diferentes interrelações: 
 
1 - Cedência indirecta de alimentos (melada), cuja concentração em 
açúcar extraído dos vegetais atrai as formigas; 
2 - Provavelmente, acção de forésia ou exozoocoria, transporte, pelas 
formigas, de formas juvenis de pulgões e de cochonilhas, para os ramos tenros, 
onde vão encontrar boas fontes alimentares, daí resultando abundantes excreções; 
    3 - Alimentos (seiva); 
    4 - Destruição de tecidos por picada e, eventualmente, transporte 
de formas juvenis de afídeos e sua protecção com prejuízo para a videira; 
    5 
- Alimentos (melada)     6 - 
Protecção, por competição com certos predadores das cochonilhas, favorecendo a 
manutenção de populações numerosas.  Acção limpadora (coprofagia) eliminando as 
excreções, que, por intoxicação do meio poderiam auto-regular as populações de 
pulgões e cochonilhas, reduzindo a capacidade sustentadora do meio.  Além disso, 
o excesso de melada é um bom meio de cultura propício, por exemplo, à 
proliferação de fungos; 
     7 - Possível acção de forésia; 
     8 - Antibiose ou parasitose. 
 Há quem considere a relação formigas-«Pulgões», coacções simbióticas. No entanto, não sendo obrigatórias para sobrevivência de ambos os grupos, preferimos optar pelo termo mutualismo (R. Dajoz, 1982). 
 
  2 - Relações formiga-«xeixo» branco 
 O xeixo branco é, como já se disse, um calhau de quartzo, 
retirado de uma das cascalheiras naturais da região.  As amostras que observámos 
são de quartzo de veios e pilões, que abundam em toda a área transmontana.  
Sendo constituído por dióxido de silicio (sílica), de fórmula SiO2 (Oxigénio 
53,3% e Silício 46,7%), o quartzo apresenta-se, nestas amostras, sob a forma de 
massas compactas, com pequenos cristais de moscovite disperses.  Nalgumas 
variedades impuras, o quartzo pode conter, além de moscovite, óxidos de ferro, 
carbonato de cálcio, argila, areia e varios outros minerais como inclusões. 
Considerado inerte, apresenta, nestas amostras, as seguintes propriedades 
físicas: brilho vítreo a leitoso, com fractura concoidal e pseudo-concoidal a 
irregular, sendo translúcido, de cor branca a incolor.  A densidade é 2,28-2,33 
e, a dureza, 7. É optimamente +. O índice de refracção é geralmente baixo.  
Porém, certas amostras, como é o caso das que observámos, apresentam 
fenómenos de refracção um pouco superiores às médias. Quanto às propriedades 
químicas destas amostras, correspondem às propriedades características do 
quartzo vulgar: com borax, dissolve-se a quente, lentamente, tornando-se num 
vidro claro; com soda dissolve-se fazendo efervescência. 
Algumas amostras de quartzo contém líquidos, em cavidades internas.  Os 
mais frequentes destes líquidos são a água pura (ou uma solução mineral) e 
alguns compostos próximos do petróleo.  Nas amostras de Sendim não foram 
detectadas inclusões deste tipo.  Da análise destes xeixos pode 
concluir-se que a sua acção, como mirmecófugo, não deve ter fundamento químico.  
Dois casos há, pois, a considerar: 
 - ou a capacidade calorífica, aliada ou não, à cor e ao brilho, e, 
concomitantemente, à refracção da luz destas amostras, que, nos pontos de 
fractura concorda], podem apresentar valores excepcionais, são bastantes para 
afugentar as formigas; 
 - ou estamos em presença dum fenómeno de adaptação destes insectos, 
semelhante ao chamado mimetismo batesiano (Margalef, 1981). 
 Mimetismo batesiano, coloração aposemática e cripsis com imitação de 
objectos concretos, são fenómenos muito semelhantes.  A Cripsis é uma forma 
adaptativa resultante da pressão de selecção, segundo a qual os animais 
apresentam cores, formas, odores, ele., que lhes permitem escapar à predação.  
Neste caso, incluem-se fonnas defensivas por mimefismo, que limitam as coacções 
predador-presa.  Há formas que imitam objectos concretos, bem diversas da 
homocromia, que é a mais vulgar forma de cripsis.  Os insectos podem imitar, de 
facto, nas suas formas e cores, o cortex de troncos de árvores, liquenes, 
folhas, etc. 
Certas formas assumidas rapidamente, pelas presas, imitando objectos 
totalmente novos, no campo visual do predador, têm por efeito provocar, naquele, 
uma reacção de defesa ou consequente fuga, ou, pelo menos, dar tempo à presa, 
aproveitando a surpresa do predador para fugir. 
Os insectos bem protegidos, por exemplo, por um sabor desagradável, 
aliado, geralmente, à toxicidade que receberam das plantas que lhes servem de 
alimento, são, quase sempre, diurnos e vistosos o que é, precisamente, contrário 
ao efeito de cripsis. Estes insectos, longe de se confundirem com o meio, estão 
protegidos pela sua coloração de advertência ou aposemática (Margalef, 1981).   
 Esta coloração de advertência pressupõe, curiosamente, uma 
aprendizagem. 
 Existem razões bem apoiadas para se admitir, hoje, que este fenómeno 
existe e tem valor como factor de selecção. 
 Coacção semelhante pode abranger espécies muito parecidas com as 
nocivas, igualmente paramentadas de cores vistosas, mas que são inofensivas e 
que, por isso mesmo, poderiam servir de presa aos respectivos predadores. Este 
caso é o chamado mimetismo batesiano. Porém, para que tal fenómeno 
se verifique, deve existir, como é óbvio, suficiente coincidência 
geográfica ou ecológica entre as espécies em causa, pois só assim OS 
resultados da aprendizagem poderão ser utilizados. 
 Existem numerosos exemplos deste tipo de mimetismo. Às cores e às 
formas aliam-se, por vezes, odores e outros factores, talvez, como supomos, 
efeitos de refracção e reflexão da luz, etc., ainda mal estudados e, por isso, 
mal conhecidos. 
É esta a primeira hipótese que avançamos para explicar a acção 
afugentadora das formigas, exercida pelo quartzo.  Para isso teremos de fazer 
uma extrapolação: substituir o animal ou grupo de animais miméticos, por um 
calhau de quartzo, isto é, por um ser inanimado, que lembra, sem qualquer sombra 
de dúvida, uma porção de neve sobre a cepa. 
  
   Recordando o conto popular muito 
difundido, entre nós, da formiga que ficou com uma pata presa na neve e invoca o 
Sol, para a derreter, não nos parece um exagero de imaginação aceitar que a 
velha filosofia camponesa - uma sabedoria empírica - que, um pouco por 
todo o lado, se tem perdido, mas da qual se podem encontrar resquícios nos 
provérbios e nos contos, tenha registado que a formiga foge da neve. 
   Daí não ser difícil de aceitar que, no 
princípio da Primavera, quando rebentam as primeiras folhas da vinha, e os 
insectos invadem os campos, a «visão» da neve (ou a reflexão da luz imitando a 
neve) afaste, por condicionamento, as formigas, das cepas, onde um pedaço de 
quartzo brilha, como se neve fôra. 
   Acentue-se, porém, que este raciocínio, 
sem o apoio científico dado pela experimentação, e que não encontrámos expresso 
em nenhum dos trabalhos que consultámos, quer de Ecologia, quer de Entomologia, 
não passa de mera hipótese. 
   Modernamente, porém, sabe-se que a cor 
amarela atrai os Afídeos e, contrariamente, a cor branca, devido a fenómenos de 
reflexão da luz (comprimentos de ondas curtas) os afasta. 
   A técnica israelita actualmente em 
estudo na Estação Agronómica Nacional, baseia-se exactamente na pulverização dos 
vegetais com uma substância branca para afastar os insectos parasitas em 
consequência da reflexão da luz. Esta técnica vem de certo modo apoiar a 
hipótese, por nós atrás admitida quanto ao valor do xeixo branco como 
mirmecófago.                           
  
3
- Possíveis origens do uso do xeixo branco como 
pesticida em terras de Sendim 
    Sempre que se trata de procurar a origem de um uso tradicional, o 
caminho é difícil de percorrer, e, além disso, extremamente perigoso.  Perigoso 
porque a tradição popular portuguesa filia-se em tradições veiculadas por povos, 
os mais diversos, não se podendo, também, negar o poder de criatividade 
local. 
Sem pretender procurar, por isso mesmo, descobrir a origem, 
abordaremos, apenas, o que supomos estar na origem desta prática: a sabedoria 
popular, sem dúvida, apoiada na velha filosofia camponesa de que nos fala 
Georges Rose (1981). 
O pensamento analógico, que caracteriza essa filosofia, baseia-se na 
ideia de que o «semelhante produz o semelhantes. 
Para Steiner, a verdadeira filosofia camponesa refere-se a uma 
sabedoria relacionada com a Astrologia, sabedoria que veio a degenerar, em 
grande parte, em pura superstição. 
De acordo com esta ideia, duas fontes de pensamento se podem apontar: a
neve (por semelhança) relacionada com o calendário camponês, e a lua, 
relacionada com os ritmos diários e mensais. 
A semelhança com a neve é, quanto a nós, bastante provável, pelo menos 
no que respeita à acção xeixo branco-formiga.  No entanto, o pensamento 
antigo, que poderia ter levado os primeiros viticultores a colocar o calhau de 
quartzo sobre a cepa recém-podada, pode, muito bem, relacionar-se com uma 
reprodução da lua cheia para atrair uma boa frutificarão.  Verificando, por 
experiência, a sua eficácia, (embora o princípio da semelhança com a neve fosse 
eficaz para afastar as formigas, mas não fruto do seu raciocínio), a prática 
teria logrado perdurar, chegando aos nossos dias, transmitida de geração em 
geração, relacionada com o seu cunho utilitário e perdendo-se o cunho espiritual 
primevo. 
A apoiar a nossa hipótese, de que o uso dos xeixos brancos se 
relaciona com os velhos cultos da Lua, e com a influência que a Lua sempre 
exerceu no pensamento popular, adiantaremos alguns factos já comprovados. 
As práticas lunares, em agricultura, perdem-se na noite dos tempos.  
Alguns autores remontam-nas ao Antigo Egipto, ligadas ao pensamento analógico. 
Segundo o pensamento camponês, espalhado pela Europa, relacionado com a 
Lua, a Lua cheia é considerada estimulante do desenvolvimento das partes 
vegetativas, acima do solo, e, a Lua nova, das que se situam abaixo dele.  Pbr 
outro lado, a Lua cheia costuma relacionar-se com a frutificarão, em especial (e 
por analogia) com a pujança dos frutos esféricos, como é, aliás, o caso das 
uvas. 
É de notar, ainda, que, a vinha, em Sendim, é podada entre Dezembro e 
fins de Fevereiro dentro do período de 40 dias que constitui, nalguns pontos, 
inclusivamente em Espanha, o ciclo astrológico dos 12 dias, chave das 
práticas tradicionais agrárias.  Este ciclo, na sua verdadeira dimensão, vai de 
26 de Dezembro a 6 de Janeiro, representando, cada um destes dias, um mês do ano 
que vai entrar.  Corresponde à dita época de mudança, à charneira do ano 
luni-solar. Esta época, carregada de misticismo, o período forte do calendário 
agrícola, coincide, precisamente, com a prática tradicional de Sendim. 
Pelo que respeita às relações específicas Lua-vinha, a Lua Nova 
associa-se, como atrás já foi dito para as plantas em geral, à ideia de 
profusão (correspondendo ao crescimento dos órgãos vegetativos),em oposição 
à Lua Cheia, que corresponde à pujança da frutificarão dos cachos. é por isso 
que a sabedoria popular propõe, ainda, aos agricultores, em vários pontos da 
França, podar, as vinhas jovens durante a Lua Nova, pois, nesse caso, 
pretende-se o seu rápido desenvolvimento, e, durante a Lua Cheia, as vinhas já 
desenvolvidas, mais robustas, destinadas à plena produção. 
Fácil é de admitir que, durante a poda da vinha, se colocasse, de 
acordo com esta forma de pensar, um calhau que imitasse a Lua, - branco, mais ou 
menos esférico, com brilho vítreo a leitoso, como é o caso dos xeixos brancos
de Sendim, sobre a cepa recém-podada, para que a frutificarão fosse rendosa, 
formando-se muitos e úberes cachos. 
Esta interpretação é, contudo, também, meramente pessoal. 
  
Conclusões 
Os produtos agroquímicos empregados, vulgarmente, no tratamento das 
vinhas, como insecticidas específicos contra as cochonilhas e contra as 
formigas, nomeadamente contra o algodão das vinhas (ou azeiteiro), são, 
geralmente, o Baythion, na altura da rebentarão, e o Folidol-óleo.  O
primeiro destes produtos é aplicado especialmente contra as formigas, 
estendendo-se, a sua aplicação aos próprios carneiros destes insectos.  A sua 
acção faz-se sentir durante 2/3 meses. É um produto considerado tóxico (classe 
toxicológica 11), cuja natureza da sua aplicação não permite estabelecer um 
intervalo de segurança. 
O Folidol-óleo é 
um 
concentrado para emulsão, que contem 30 g/l de paratião insecticida de 
uso já interdito, devido a sua elevada toxicidade. O Folidol-óleo 
inclui-se na classe toxicológica I (produto muito tóxico-veneno), estando 
avaliado, o intervalo de segurança, em 3 semanas, o que pode ser causa de 
acidentes muito graves. Este insecticida é usado, especialmente, contra as 
cochonilhas. 
Os agricultores de Sendim, que usam, com êxito, nas suas vinhas, o 
xeixo branco de quartzo, contra as formigas, embora usem produtos 
agro-químicos, não estando, pois, exclusivamente vinculados às técnicas de 
viticultura antigas, podem, ao que, tudo leva a crer, prescindir destes dois 
poderosos agentes fito-sanitários ou, pelo menos, do primeiro. 
Esta prática, se pudesse estender-se a outras áreas, seria extremamente 
vantajosa, integrando-se, plenamente, na actual e não retrógrada Agricultura 
biológica, que, também, se poderá bem chamar Agricultura ecológica.  
De facto, produto químico e Biologia têm significados antagónicos no discurso 
ecológico dos nossos dias. 
Se, nas suas origens, e de acordo com a corrente Biodinâmica, a 
Agricultura biológica, que «é uma corrente composita em gestação, fluctuante e 
difícil de localizar no espaço e no tempo» assentava em duas bases: a 
consciência do tempo e a consideração das influências cósmicas, a verdade é que 
se apoia, também, na recusa sistemática do uso de pesticidas. 
Inventariar as práticas tradicionais do nosso povo, estudá-las e tentar 
aplicá-las, não se insere num mero passadismo, num voltar as costas ao 
progresso.  Pelo contrário, recuperar essas técnicas e reutilizá-las, 
adaptando-as às técnicas modernas, procurando minimizar todos os desequilíbrios 
resultantes da agricultura industrial dos nossos dias, parece-nos que é olhar 
bem para o futuro, um futuro em que os vindouros não venham, porventura, a 
acusar a nossa geração de lhes ter legado uma Terra super-explorada e uma 
Natureza mais do que anti-natural, anti-social. 
 
 BIBLIOGRAFIA 
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Triades, 
Paris, 1956. 
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Reimp. 1966 - Methuen & Co. - London,  1949. 
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ZUSSMAN, Deer Hoyie 
- Rockforpning minerais - 
London, 1971 - Vol. 4. 
 
 
     
São devidos públicos agradecimentos ao meu ex-aluno, Dr. Carlos Nascimento 
Ferreira, ao Geólogo Dr. José Luís Almeida Rebelo, do Serviço Geológico 
Nacional, e aos Engenheiros Agrônomos Eugênio Sequeira, Manuela Carmona e 
Fernando Ilharco e sua equipa da Estação Agronómica Nacional (Oeiras). 
    Ao primeiro, filho de Sendim, devo o tema, o interesse que, ele, me 
despertou, e o levantamento de dados, no local; ao segundo, o estudo das 
amostras de quartzo, recolhidas em Sendim; aos restantes devo uma troca de 
impressões a todos os títulos vantajosa sobre os parasitas das vinhas e 
respectivas técnicas usadas no seu combate.  | 
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