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UMA PRÁTICA
TRADICIONAL DE SUBSTITUIÇÃO
RESUMO
Ana Maria Amaro
Numa
altura em que a dita crise do Ambiente faz repensar técnicas tradicionais,
em vias de extinção, inventariar essas técnicas, a nível do nosso País,
principalmente nas aldeias mais isoladas, onde a cultura rural se encontra,
talvez, ainda, num estado mais puro, parece-nos inadiável.
Na aldeia de Sendim, debruçado no vale do Douro, que serve de fronteira
com a Espanha, pratica-se, ainda, uma curiosa técnica para afastar as formigas
das vinhas, depois de podadas. Consiste, esta técnica, em colocar um calhau de
quartzo compacto (frequente na região, nas várias cascalheiras resultantes da
erosão dos pilões que atravessam os xistos, um pouco por toda a parte), sobre o
topo ou «cabeço» da cepa, após a poda.
Da análise das amostras recolhidas, parece concluir-se que não se trata
dum fenómeno químico mas de um fenómeno físico de reflexão da luz e/ou de
mimetismo batesiano, aplicado a um calhau que lembra, de facto, um bloco de
neve.
Por outro lado, nas origens de tal prática parece-nos que pode
encontrar-se um resquício das antigas práticas tradicionais agrícolas,
relacionadas com o ciclo lunar.
Por analogia do calhau de quartzo com a Lua Cheia, poder-se-ia ter
usado aquele, com o objectivo de se obter, assim, uma frutificação mais
próspera, das videiras.
Reutilizar técnicas tradicionais não significa um retorno ao passado,
com rejeição da senda do Progresso, mas uma integrarão, dessas técnicas, na
moderna Agricultura biológica, ainda em fase experimental, mas francamente
voltada para o futuro.
Numa altura em que o espectro do crescimento demográfico e da
concomitante crise do ambiente, resultante dum excesso do consumo de energia
per capita, levam a repensar as técnicas da agricultura industrial, as
práticas agrícolas de baixa energia, apoiadas nos conhecimentos empíricos da
exploração racional dos recursos do meio, começam a ser encaradas, não com o
sorriso céptico dos antigos cientistas mas sob um enfoque ecológico, como
modelos de futuras alternativas de sobrevivência.
No âmbito da Ecologia Aplicada, de há muito que nos vimos interessando
pelo estudo dessas técnicas, conservadas pelo povo português, principalmente nas
aldeias mais isoladas do Norte, técnicas estas integradas no âmbito da chamada
Etnoecologia, e que tendem, inevitavelmente, a perder-se, a mais ou menos curto
prazo.
Um singular exemplo de sabedoria naturalista popular que encontramos na
bacia do Douro, consiste na utilização de um calhau de quartzo, de 0,5 kg a 3
kg, que se coloca sobre cada cepa, contra a invasão das formigas, depois de
podarem as vinhas.
Segundo um exaustivo levantamento de dados, realizado, no local, pelo
nosso ex-aluno Carlos Nascimento Ferreira, que foi, aliás, quem nos alertou para
a existência desta prática na sua aldeia, este uso, cuja origem se perde no
tempo, tem sido transmitido de geração em geração, tendo logrado chegar aos
nossos dias, por ser tido como, realmente, eficaz.
A aldeia, onde este uso alternativo dum «pesticida» natural tem
perdurado, é Sendim, no Concelho de Miranda do Douro, Distrito de Bragança.
Sendim, está situada na margem direita do rio Douro, tendo fronteiras,
na outra margem, terras de Espanha, de onde consta virem, às vezes, portadores
para trabalhar.
Esta freguesia transmontana, que, em 1981, contava 1612 habitantes,
possui, já, infra-estruturas, tais como água canalizada, rede de esgotos e
electricidade, faltando-lhe, apenas, uma estação de tratamento de lixos,
problema que, aliás, afecta ainda, a maior parte das povoações de Portugal,
mesmo quando se trata de grandes cidades.
A economia da aldeia de Sendim assenta na agricultura, principalmente
na viticultura, que se faz em terraços voltados para a Espanha, e que descem
para o Douro.
Pode dizer-se que a agricultura é essencialmente tradicional, embora,
devido a terem perdido o seu antigo isolamento, os agricultores possuam, já,
máquinas agrícolas, nomeadamente tractores e debulhadoras-ceifeiras. No
entanto, são várias as dificuldades que se opõem à mecanização dos trabalhos
agrícolas. Entre estas, ressaltam a dominância da pequena propriedade, assente
em terrenos muito declivosos, e, no caso especial da vinha, um tipo de plantação
com o qual se não coaduna a utilização da máquina.
Assente em terrenos xistosos do complexo xisto-grauváquio, cortados por
grandes, pilões de quartzo, alguns de grande possança, podendo apresentar 5
quilómetros de largura, não é de estranhar que, por toda a área, se encontrem
cascalheiras de quartzo desmantelado pela erosão. Aos calhaus deste mineral,
desagregados pelas forças erosivas, chama, a população local, xeixos brancos.
A vinha cultiva-se, em Sendim, nas áreas declivosas, como já se disse,
alinhada em «valados», distanciados, entre si, de cerca de 1,20 metros, estando,
cada pé, afastado do valado, cerca de um metro. Cerca de 45 % do espaço
agrícola da freguesia é ocupado por vinhas, variando cada terreno de exploração,
de 0,5 há a 15 ha.
Devido a carências em água, a videira raramente atinge, naqueles
locais, uma altura superior a 40 cm, ocupando, cada «cepa», cerca de 1 m2.
No entanto, a produção pode considerar-se satisfatória, sendo 85%
desta, usada para venda à Cooperativa de Sendim, a cargo da qual se encontra o
fabrico do vinho destinado ao consumo do produtor, e sendo, os restantes 15 %
das uvas, utilizados directamente na alimentação, quer frescas, quer secas.
Sem entrarmos em pormenores acerca da cultura das vinhas, em Sendim,
local onde, hoje, se interpenetram a cultura tradicional e as técnicas modernas,
com utilização de herbicidas, insecticidas e adubos químicos, debruçar-nos-emos,
apenas, sobre a operação da poda.
De Dezembro a fins de Fevereiro, poda-se a vinha, em Sendim. É o
proprietário e os seus familiares, ou portadores, «feireiros» da aldeia que se
dedicam a esse trabalho. A técnica foi aprendida com os pais e estes
aprenderam-na com os avós.
Feita a poda, coloca-se, no topo do «cepo», um dos ditos xeixos
brancos, que não se procuram longe, mas sim no próprio local, e não se partem
para se obter um tamanho apropriado, porque se encontram ali, em abundância,
calhaus de várias dimensões, que se podem escolher com facilidade. Alguns
ficarão, provavelmente, no terreno, de uns anos para os outros, porquanto, uma
vez colocados, não se retiram, mantendo-se no topo ou «cabeça da cepa», durante
dois a três meses ou, mesmo mais, até cairem por si, aquando da lavra da vinha
ou, então, durante as vindimas.
A colocação destes seixos, na «cabeça da cepa», (Fig. 3) destina-se a
«afastar as formigasse e a reduzir, assim, a invasão de outros parasitas. E o
facto é que as vinhas que
É de assinalar, aqui, que nem todos os viticultores de Sendim adoptam
este processo. No dizer dos informadores de meia idade, hoje em dia há muitos
agricultores que já não têm conhecimento deste «pormenor» e são só os mais
velhos que o utilizam, pois afirmam que é «certeiro», isto é, dá sempre
resultado. Os «novos» dizem tratar-se de coisas de velhos e que, hoje, o melhor
e mais seguro são os «remédios» (pesticidas), pois «matam de uma vez».
No entanto, todos os agricultores sabem, por experiência, que há
«vários» tipos de insectos que afectam as vinhas, tais como borboletas,
filoxera, «pulgão» e «formigo».
O uso de pesticidas incrementou-se, em Sendim, a partir de 1975, mas o
uso de xeixos brancos continuou a manter-se entre os agricultores mais
idosos, tal é a confiança que depositam nas suas propriedades.
Um pormenor a registar é que estas pedras só se usam contra as
formigas, invasoras das cepas, e não noutros casos, por exemplo para as afastar
das habitações.
A interpretação que dão, os horticultores, acerca da acção desta pedra
é que herdaram o uso dos seus antepassados, ignorando se ele veio ou não de
Espanha, e se ali, perdura, ainda, nalguns pontos. O que é certo é que, nas
aldeias vizinhas portuguesas, se, este uso, alguma vez foi corrente, perdeu-se,
dele, toda e qualquer notícia, encontrando-se, hoje, cantonado às vinhas da
margem do Douro, da Freguesia de Sendim.
Uma outra técnica tradicional associada à do uso do xeixo branco,
para afastar os insectos da vinha, consiste em fazer-se, na altura da poda,
um covacho à volta da cepa, operação que tem o nome de escavicar e que se
destina a aquecer o solo evitando a produção dos «pulgões». Em Maio este
covacho circular é, de novo, preenchido com terra para que ali se concentre
maior humidade necessária à frutificarão. È de notar que o conhecimento
empírico do ciclo vegetativo dos insectos parasitas da vinha, aparece nítido
nestas práticas.
Para maior segurança, porém, os viticultores de Sendim, invocam,
também, a protecção Divina, realizando, em Março, quando os insectos costumam
aparecer, uma procissão que tem por fim pedir a Deus que o «pulgão» não
destrua, nesse ano, as vinhas.
Interrogados os viticultores tradicionais, quanto aos prejuízos
causados às vinhas, pelos insectos que mencionaram, revelaram conhecimentos
muito curiosos, pelo fundo científico que encerram:
Embora as formigas invadam a planta e a debilitem, o grande problema
prende-se com o «pulgão». A formiga «cria e cuida» do «pulgão», pois «este
fabrica açúcares a partir das folhas da videira, açúcares que lhe servem de
alimento». Por seu lado, a «formiga leva, ao pulgão, as folhas necessárias para
este se alimentaras e elimina os seus «resíduos» (açúcares que produz).
Os insectos só aparecem depois das vinhas rebentarem. Por isso se
colocam os xeixos brancos logo após a vinha ser podada. E recomendam: «o
que é necessário é que o xeixo seja branco».
As pessoas contactadas em Sendim, e que se prontificaram, da melhor
vontade, a prestar todas as informações que lhe foram solicitadas, mostraram
grande curiosidade em saber «qual a qual» que estava por «detrás da pedra»...
E claro que encontrar uma explicação definitiva não é muito fácil.
Limitar-nos-emos a apresentar, apenas, algumas hipóteses que nos parecem
pertinentes, mas que ficam sujeitas, a futuras correcções.
Neste assunto há três aspectos fundamentais a considerar:
1 - Quais os parasitas das vinhas e suas interrelações com as
formigas;
2 - Relação formiga - xeixo branco;
3- Possíveis origens do uso do xeixo branco, como
mirmecófugo, em terras de Sendim.
1 -
Parasitas da vinha e suas interrelações com as formigas
A vinha é parasitada principalmente por Afideos, de entre os
quais se destacam a Phyloxera vastatrix (que tem um ciclo vegetativo bem
conhecido, vivendo nas raízes da videira e, depois, nas folhas, onde provoca
galhas), a Púlvinaria vitis (cochonilha da vinha) por alguns agricultores
confundida com o pulgão, que dá o cotão da vinha, ou algodão da vinha, sendo,
também, conhecida por conchonilha vermelha, piolho vermelho ou pulvinaria e
ainda o impropriamente chamado pulgão da vinha - Haltica ampelophaga (= H.
lythri Aubé ssp. ampelophaga Guer.)
No esquema seguinte estão representadas diferentes interrelações:
1 - Cedência indirecta de alimentos (melada), cuja concentração em
açúcar extraído dos vegetais atrai as formigas;
2 - Provavelmente, acção de forésia ou exozoocoria, transporte, pelas
formigas, de formas juvenis de pulgões e de cochonilhas, para os ramos tenros,
onde vão encontrar boas fontes alimentares, daí resultando abundantes excreções;
3 - Alimentos (seiva);
4 - Destruição de tecidos por picada e, eventualmente, transporte
de formas juvenis de afídeos e sua protecção com prejuízo para a videira;
5
- Alimentos (melada) 6 -
Protecção, por competição com certos predadores das cochonilhas, favorecendo a
manutenção de populações numerosas. Acção limpadora (coprofagia) eliminando as
excreções, que, por intoxicação do meio poderiam auto-regular as populações de
pulgões e cochonilhas, reduzindo a capacidade sustentadora do meio. Além disso,
o excesso de melada é um bom meio de cultura propício, por exemplo, à
proliferação de fungos;
7 - Possível acção de forésia;
8 - Antibiose ou parasitose.
Há quem considere a relação formigas-«Pulgões», coacções simbióticas. No entanto, não sendo obrigatórias para sobrevivência de ambos os grupos, preferimos optar pelo termo mutualismo (R. Dajoz, 1982).
2 - Relações formiga-«xeixo» branco
O xeixo branco é, como já se disse, um calhau de quartzo,
retirado de uma das cascalheiras naturais da região. As amostras que observámos
são de quartzo de veios e pilões, que abundam em toda a área transmontana.
Sendo constituído por dióxido de silicio (sílica), de fórmula SiO2 (Oxigénio
53,3% e Silício 46,7%), o quartzo apresenta-se, nestas amostras, sob a forma de
massas compactas, com pequenos cristais de moscovite disperses. Nalgumas
variedades impuras, o quartzo pode conter, além de moscovite, óxidos de ferro,
carbonato de cálcio, argila, areia e varios outros minerais como inclusões.
Considerado inerte, apresenta, nestas amostras, as seguintes propriedades
físicas: brilho vítreo a leitoso, com fractura concoidal e pseudo-concoidal a
irregular, sendo translúcido, de cor branca a incolor. A densidade é 2,28-2,33
e, a dureza, 7. É optimamente +. O índice de refracção é geralmente baixo.
Porém, certas amostras, como é o caso das que observámos, apresentam
fenómenos de refracção um pouco superiores às médias. Quanto às propriedades
químicas destas amostras, correspondem às propriedades características do
quartzo vulgar: com borax, dissolve-se a quente, lentamente, tornando-se num
vidro claro; com soda dissolve-se fazendo efervescência.
Algumas amostras de quartzo contém líquidos, em cavidades internas. Os
mais frequentes destes líquidos são a água pura (ou uma solução mineral) e
alguns compostos próximos do petróleo. Nas amostras de Sendim não foram
detectadas inclusões deste tipo. Da análise destes xeixos pode
concluir-se que a sua acção, como mirmecófugo, não deve ter fundamento químico.
Dois casos há, pois, a considerar:
- ou a capacidade calorífica, aliada ou não, à cor e ao brilho, e,
concomitantemente, à refracção da luz destas amostras, que, nos pontos de
fractura concorda], podem apresentar valores excepcionais, são bastantes para
afugentar as formigas;
- ou estamos em presença dum fenómeno de adaptação destes insectos,
semelhante ao chamado mimetismo batesiano (Margalef, 1981).
Mimetismo batesiano, coloração aposemática e cripsis com imitação de
objectos concretos, são fenómenos muito semelhantes. A Cripsis é uma forma
adaptativa resultante da pressão de selecção, segundo a qual os animais
apresentam cores, formas, odores, ele., que lhes permitem escapar à predação.
Neste caso, incluem-se fonnas defensivas por mimefismo, que limitam as coacções
predador-presa. Há formas que imitam objectos concretos, bem diversas da
homocromia, que é a mais vulgar forma de cripsis. Os insectos podem imitar, de
facto, nas suas formas e cores, o cortex de troncos de árvores, liquenes,
folhas, etc.
Certas formas assumidas rapidamente, pelas presas, imitando objectos
totalmente novos, no campo visual do predador, têm por efeito provocar, naquele,
uma reacção de defesa ou consequente fuga, ou, pelo menos, dar tempo à presa,
aproveitando a surpresa do predador para fugir.
Os insectos bem protegidos, por exemplo, por um sabor desagradável,
aliado, geralmente, à toxicidade que receberam das plantas que lhes servem de
alimento, são, quase sempre, diurnos e vistosos o que é, precisamente, contrário
ao efeito de cripsis. Estes insectos, longe de se confundirem com o meio, estão
protegidos pela sua coloração de advertência ou aposemática (Margalef, 1981).
Esta coloração de advertência pressupõe, curiosamente, uma
aprendizagem.
Existem razões bem apoiadas para se admitir, hoje, que este fenómeno
existe e tem valor como factor de selecção.
Coacção semelhante pode abranger espécies muito parecidas com as
nocivas, igualmente paramentadas de cores vistosas, mas que são inofensivas e
que, por isso mesmo, poderiam servir de presa aos respectivos predadores. Este
caso é o chamado mimetismo batesiano. Porém, para que tal fenómeno
se verifique, deve existir, como é óbvio, suficiente coincidência
geográfica ou ecológica entre as espécies em causa, pois só assim OS
resultados da aprendizagem poderão ser utilizados.
Existem numerosos exemplos deste tipo de mimetismo. Às cores e às
formas aliam-se, por vezes, odores e outros factores, talvez, como supomos,
efeitos de refracção e reflexão da luz, etc., ainda mal estudados e, por isso,
mal conhecidos.
É esta a primeira hipótese que avançamos para explicar a acção
afugentadora das formigas, exercida pelo quartzo. Para isso teremos de fazer
uma extrapolação: substituir o animal ou grupo de animais miméticos, por um
calhau de quartzo, isto é, por um ser inanimado, que lembra, sem qualquer sombra
de dúvida, uma porção de neve sobre a cepa.
Recordando o conto popular muito
difundido, entre nós, da formiga que ficou com uma pata presa na neve e invoca o
Sol, para a derreter, não nos parece um exagero de imaginação aceitar que a
velha filosofia camponesa - uma sabedoria empírica - que, um pouco por
todo o lado, se tem perdido, mas da qual se podem encontrar resquícios nos
provérbios e nos contos, tenha registado que a formiga foge da neve.
Daí não ser difícil de aceitar que, no
princípio da Primavera, quando rebentam as primeiras folhas da vinha, e os
insectos invadem os campos, a «visão» da neve (ou a reflexão da luz imitando a
neve) afaste, por condicionamento, as formigas, das cepas, onde um pedaço de
quartzo brilha, como se neve fôra.
Acentue-se, porém, que este raciocínio,
sem o apoio científico dado pela experimentação, e que não encontrámos expresso
em nenhum dos trabalhos que consultámos, quer de Ecologia, quer de Entomologia,
não passa de mera hipótese.
Modernamente, porém, sabe-se que a cor
amarela atrai os Afídeos e, contrariamente, a cor branca, devido a fenómenos de
reflexão da luz (comprimentos de ondas curtas) os afasta.
A técnica israelita actualmente em
estudo na Estação Agronómica Nacional, baseia-se exactamente na pulverização dos
vegetais com uma substância branca para afastar os insectos parasitas em
consequência da reflexão da luz. Esta técnica vem de certo modo apoiar a
hipótese, por nós atrás admitida quanto ao valor do xeixo branco como
mirmecófago.
3
- Possíveis origens do uso do xeixo branco como
pesticida em terras de Sendim
Sempre que se trata de procurar a origem de um uso tradicional, o
caminho é difícil de percorrer, e, além disso, extremamente perigoso. Perigoso
porque a tradição popular portuguesa filia-se em tradições veiculadas por povos,
os mais diversos, não se podendo, também, negar o poder de criatividade
local.
Sem pretender procurar, por isso mesmo, descobrir a origem,
abordaremos, apenas, o que supomos estar na origem desta prática: a sabedoria
popular, sem dúvida, apoiada na velha filosofia camponesa de que nos fala
Georges Rose (1981).
O pensamento analógico, que caracteriza essa filosofia, baseia-se na
ideia de que o «semelhante produz o semelhantes.
Para Steiner, a verdadeira filosofia camponesa refere-se a uma
sabedoria relacionada com a Astrologia, sabedoria que veio a degenerar, em
grande parte, em pura superstição.
De acordo com esta ideia, duas fontes de pensamento se podem apontar: a
neve (por semelhança) relacionada com o calendário camponês, e a lua,
relacionada com os ritmos diários e mensais.
A semelhança com a neve é, quanto a nós, bastante provável, pelo menos
no que respeita à acção xeixo branco-formiga. No entanto, o pensamento
antigo, que poderia ter levado os primeiros viticultores a colocar o calhau de
quartzo sobre a cepa recém-podada, pode, muito bem, relacionar-se com uma
reprodução da lua cheia para atrair uma boa frutificarão. Verificando, por
experiência, a sua eficácia, (embora o princípio da semelhança com a neve fosse
eficaz para afastar as formigas, mas não fruto do seu raciocínio), a prática
teria logrado perdurar, chegando aos nossos dias, transmitida de geração em
geração, relacionada com o seu cunho utilitário e perdendo-se o cunho espiritual
primevo.
A apoiar a nossa hipótese, de que o uso dos xeixos brancos se
relaciona com os velhos cultos da Lua, e com a influência que a Lua sempre
exerceu no pensamento popular, adiantaremos alguns factos já comprovados.
As práticas lunares, em agricultura, perdem-se na noite dos tempos.
Alguns autores remontam-nas ao Antigo Egipto, ligadas ao pensamento analógico.
Segundo o pensamento camponês, espalhado pela Europa, relacionado com a
Lua, a Lua cheia é considerada estimulante do desenvolvimento das partes
vegetativas, acima do solo, e, a Lua nova, das que se situam abaixo dele. Pbr
outro lado, a Lua cheia costuma relacionar-se com a frutificarão, em especial (e
por analogia) com a pujança dos frutos esféricos, como é, aliás, o caso das
uvas.
É de notar, ainda, que, a vinha, em Sendim, é podada entre Dezembro e
fins de Fevereiro dentro do período de 40 dias que constitui, nalguns pontos,
inclusivamente em Espanha, o ciclo astrológico dos 12 dias, chave das
práticas tradicionais agrárias. Este ciclo, na sua verdadeira dimensão, vai de
26 de Dezembro a 6 de Janeiro, representando, cada um destes dias, um mês do ano
que vai entrar. Corresponde à dita época de mudança, à charneira do ano
luni-solar. Esta época, carregada de misticismo, o período forte do calendário
agrícola, coincide, precisamente, com a prática tradicional de Sendim.
Pelo que respeita às relações específicas Lua-vinha, a Lua Nova
associa-se, como atrás já foi dito para as plantas em geral, à ideia de
profusão (correspondendo ao crescimento dos órgãos vegetativos),em oposição
à Lua Cheia, que corresponde à pujança da frutificarão dos cachos. é por isso
que a sabedoria popular propõe, ainda, aos agricultores, em vários pontos da
França, podar, as vinhas jovens durante a Lua Nova, pois, nesse caso,
pretende-se o seu rápido desenvolvimento, e, durante a Lua Cheia, as vinhas já
desenvolvidas, mais robustas, destinadas à plena produção.
Fácil é de admitir que, durante a poda da vinha, se colocasse, de
acordo com esta forma de pensar, um calhau que imitasse a Lua, - branco, mais ou
menos esférico, com brilho vítreo a leitoso, como é o caso dos xeixos brancos
de Sendim, sobre a cepa recém-podada, para que a frutificarão fosse rendosa,
formando-se muitos e úberes cachos.
Esta interpretação é, contudo, também, meramente pessoal.
Conclusões
Os produtos agroquímicos empregados, vulgarmente, no tratamento das
vinhas, como insecticidas específicos contra as cochonilhas e contra as
formigas, nomeadamente contra o algodão das vinhas (ou azeiteiro), são,
geralmente, o Baythion, na altura da rebentarão, e o Folidol-óleo. O
primeiro destes produtos é aplicado especialmente contra as formigas,
estendendo-se, a sua aplicação aos próprios carneiros destes insectos. A sua
acção faz-se sentir durante 2/3 meses. É um produto considerado tóxico (classe
toxicológica 11), cuja natureza da sua aplicação não permite estabelecer um
intervalo de segurança.
O Folidol-óleo é
um
concentrado para emulsão, que contem 30 g/l de paratião insecticida de
uso já interdito, devido a sua elevada toxicidade. O Folidol-óleo
inclui-se na classe toxicológica I (produto muito tóxico-veneno), estando
avaliado, o intervalo de segurança, em 3 semanas, o que pode ser causa de
acidentes muito graves. Este insecticida é usado, especialmente, contra as
cochonilhas.
Os agricultores de Sendim, que usam, com êxito, nas suas vinhas, o
xeixo branco de quartzo, contra as formigas, embora usem produtos
agro-químicos, não estando, pois, exclusivamente vinculados às técnicas de
viticultura antigas, podem, ao que, tudo leva a crer, prescindir destes dois
poderosos agentes fito-sanitários ou, pelo menos, do primeiro.
Esta prática, se pudesse estender-se a outras áreas, seria extremamente
vantajosa, integrando-se, plenamente, na actual e não retrógrada Agricultura
biológica, que, também, se poderá bem chamar Agricultura ecológica.
De facto, produto químico e Biologia têm significados antagónicos no discurso
ecológico dos nossos dias.
Se, nas suas origens, e de acordo com a corrente Biodinâmica, a
Agricultura biológica, que «é uma corrente composita em gestação, fluctuante e
difícil de localizar no espaço e no tempo» assentava em duas bases: a
consciência do tempo e a consideração das influências cósmicas, a verdade é que
se apoia, também, na recusa sistemática do uso de pesticidas.
Inventariar as práticas tradicionais do nosso povo, estudá-las e tentar
aplicá-las, não se insere num mero passadismo, num voltar as costas ao
progresso. Pelo contrário, recuperar essas técnicas e reutilizá-las,
adaptando-as às técnicas modernas, procurando minimizar todos os desequilíbrios
resultantes da agricultura industrial dos nossos dias, parece-nos que é olhar
bem para o futuro, um futuro em que os vindouros não venham, porventura, a
acusar a nossa geração de lhes ter legado uma Terra super-explorada e uma
Natureza mais do que anti-natural, anti-social.
BIBLIOGRAFIA
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La méthode agricole quifait comprendre la terre - Ed.
Triades,
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- Le Symbolisme astrologique
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ZUSSMAN, Deer Hoyie
- Rockforpning minerais -
London, 1971 - Vol. 4.
São devidos públicos agradecimentos ao meu ex-aluno, Dr. Carlos Nascimento
Ferreira, ao Geólogo Dr. José Luís Almeida Rebelo, do Serviço Geológico
Nacional, e aos Engenheiros Agrônomos Eugênio Sequeira, Manuela Carmona e
Fernando Ilharco e sua equipa da Estação Agronómica Nacional (Oeiras).
Ao primeiro, filho de Sendim, devo o tema, o interesse que, ele, me
despertou, e o levantamento de dados, no local; ao segundo, o estudo das
amostras de quartzo, recolhidas em Sendim; aos restantes devo uma troca de
impressões a todos os títulos vantajosa sobre os parasitas das vinhas e
respectivas técnicas usadas no seu combate. |
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