Cogumelo de aparência atractiva, mas tóxico
Mário Figueiredo, AA. Carvalho Jr., Leila N.Coutinho, E.S.Fosco-Mucci*

Segundo KENDRICK (The Fifth Kingdom, Waterloo, Mycologue Publications,
1985), A. muscaria, o famoso cogumelo encarnado e com pintas brancas dos contos
infantis, quando ingerido induz espasmos musculares, tontura e vómitos e
diarreia se muitos cogumelos forem comidos, advindo depois um profundo sono
cheio de sonhos fantásticos, que pode persistir até 2 horas ou mais. Ao
despertar, o indivíduo experimenta uma 'boa viagem" e urna sensação de elação
que persiste por várias horas. Cogumelos frescos contêm o ácido ibotêmico, que
tem efeito sobre o sistema nervoso, sendo os cogumelos secos muito mais
potentes. Isso ocorre porque o ácido ibotêmico, com a secagem, é degradado em
mucinol, após descarboxilação, sendo 5 a 10 vezes mais psicoativo. Cogumelos
secos são capazes de manter sua potência por 5 a 11 anos. Poucas mortes foram,
até hoje, relacionadas com esse tipo de envenenamento e 10 ou mais cogumelos
podem constituir-se em uma dose fatal. Na maioria dos casos o melhor tratamento
é o não-tratamento, pois a recuperação é espontânea e completada em 24 horas.
Dizem os relatos que pessoas sob os efeitos dos princípios activos do cogumelo
escarlate mosqueado tornam-se hiperactivos, fazendo movimentos compulsivos e
descoordenados, falando sem parar e com a percepção de realidade totalmente
alterada. Ocasionalmente, a experiência pode tornar-se altamente depressiva.
A. mascaria
parece conter uma ou mais substâncias que afectam especialmente o sistema
nervoso central. E desnecessário dizer que estas propriedades foram descobertas
há longo tempo e têm sido exploradas por vários povos desde então. Hinos dos
rituais sagrados hindus de 3.000 anos têm sido interpretados como a glorificação
de A. muscaria. Segundo
WASSON (1968), banqueiro americano
autodidacta que teve como lazer o estudo de fungos alucinógenos, o Soma, um dos
mais reverenciados deuses da antiga Índia, a quem os hinos foram dedicados, não
era outro senão o cogumelo A. mascaria. Este cogumelo foi profundamente estudado
por aquele estudioso, cujos relatos foram publicados em seu fascinante livro
denominado "Soma - Divine Mushroom of Imortality" (Soma - divino cogumelo da
imortalidade).
O nome específico - muscaria - é relativo à menção feita por Albertus Magnus no
século XIII de que o fungo esmagado em leite teria a capacidade de matar moscas
domésticas. Em diferentes países do continente Europeu o método é ainda hoje
utilizado, como acontece na Polónia e nas repúblicas Tcheco e Slovaquia. Nas
áreas rurais da Roménia, o fungo é frequentemente colocado no batente das
janelas das casas para evitar a entrada de moscas.
No capítulo "Fungos alucinógenos", do livro "O Grande Mundo dos Fungos" de LACAZ
et al.(1970), Mingoia refere-se à obra "As Drogas e a Mente", de Robert S. de
Rapp, publicada em 1967. Segundo este autor, os povos primitivos do Nordeste da
Ásia, os Tungus, os Yakuts, os Chukechens, os Koryaks e os Kanchadales dão um
uso peculiar a este cogumelo. Comem-no como intoxicante durante os intermináveis
invernos, quando o sol mal se levanta no horizonte e a solidão torna-se total e
depressiva em uma ameaça persistente e duradoura que parece não mais ter fim.
Nessas condições, qualquer forma de inebriamento ou fuga pode ser considerada
melhor do que nenhuma. Falam as crónicas sobre os Koryaks que os ricos dariam
uma rena inteira ou até mesmo quatro por um único cogumelo seco, pois A.
muscaria apresenta a vantagem de que seu princípio ativo é excretado intacto
pela urina, podendo ser reciclado e utilizado outra vez por homens e mulheres em
banquetes orgíacos. A medida que a festa se desenrolava, depois da ingestão dos
cogumelos, os participantes tornavam-se mais animados, gritavam, cantavam,
agitavam-se, conversavam com seres, entes ou pessoas inexistentes, pulavam
desenfreadamente, imaginando a existência de barreiras e estorvos tão altos que
os obrigavam a transpô-los. Assim, a festa continuava com as pessoas
transformadas por um estado de exacerbada emoção até que vinha o sono profundo
do estupor e exaustão total.
De acordo com a tradição escandinava, os Vikings comiam o cogumelo mosqueado
para guerrear frenética e incansavelmente. Embora popularmente seja visto como o
mais venenoso cogumelo de "chapéu", A.muscaria jamais causou a morte de pessoas
saudáveis. Usualmente, de uma a três horas depois de sua ingestão, há um período
de delírio e alucinações, por vezes acompanhado de certas perturbações
gastrointestinais. Após algumas horas desse estado de excitação psíquica, advém
um intenso estupor e o indivíduo acorda sem se lembrar de coisa alguma do que se
passou.
Essa variação da opinião de tantos autores deve-se, provavelmente, a que as
substâncias intoxicantes, que situam-se principalmente na camada superficial do
píleo, variam consideravelmente em suas quantidades de acordo com a região e as
condições nas quais os cogumelos se desenvolvem. Com referência às propriedades
tóxicas e alucinogênicas de A. muscaria, a literatura é, por vezes, um tanto
conflitante. Segundo GUZMAN (Hongos, México, Limuras Balderas,1981), apesar de
A. muscaria ter fama de muito venenoso, sua toxicidade não é grave. Quando
ingerido, provoca vômitos e diarréias e a pessoa intoxicada recupera-se em
poucas horas. CALANGE [Setas (Hongos) Guia Ilustrada, Madri, Mundi Prensa, 1979]
refere-se ao fato de que o cogumelo é toxico, porém não mortal, contrariamente
ao que se acreditava no passado. Seu conteúdo em muscarina, é escasso sendo a
micetoatropina seu veneno mais perigoso. Esta seria a razão fundamental porque
não é aconselhável a aplicação de sulfato de atropina em pessoas com
envenenamento por A. mascaria. Ao invés de inactivar a muscarina, o produto
agrava os sintomas. Segundo esse autor, o envenenamento deve ser combatido com
purgantes salínicos e lavagem estomacal, sendo as substâncias alucinogênicas
presentes neste cogumelo o ácido ibotêmico, o mucimol, que é um produto derivado
do ácido ibotêmico por desidratação, e a muscazona, todas psicoativas.
* Pesquisadores do Laboratório de Micologia Fitopatológica - Centro de Sanidade Vegetal - Fone 572 9822 Ramal 225 -
São Paulo - SP - Artigo extraído
da revista O BIOLÓGICO, vol.58, n°2, 1996 - Publicação do Centro de Comunicação e Treinamento - INSTITUTO BIOLÓGICO
- São Paulo - SP
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