<História de Mogadouro - Bemposta >

0

 

BEMPOSTA

HISTÓRIA

             

Pelo Dr.António Rodrigues Mourinho (Junior)

          A história do concelho de Mogadouro acompanhada, desde sempre, a História de Portugal e com ela se identifica plenamente desde a Pré-História até aos nossos dias.

Não há, por enquanto, notícias de elementos sobre a passagem do homem por estas terras no Período Paleolítico.

        O período Mesolítico está documentado por muitas insculturas rupestres espalhadas pelos vários lugares do concelho, mas os documentos mais importantes são as pinturas da «Fraga da Letra», conservadas ainda no recinto de quartzo vermelho do castro do Castelo de Penas Roias e as figuras da «Fraga do Diabo» junto à ribeira da povoação de Vila dos Sinos.  Os dois conjuntos são pinturas esquemáticas de características Levantinas pela cor avermelhada e pelos locais onde se encontram.

Do Período Neolítico são os «castros», antepassados das nossas povoações actuais, espalhados pelo concelho.  São dignos de relevo os castros: de Oleiros em Bemposta, Vilarinho, S. Martinho do Peso, Figueirinha de Travanca, Bruçó e o inédito castro da Vilariça no alto da Serra da Castanheira.

Por aqui passaram os Celtas que deixaram restos da sua arte e religião na «Cultura aos Berrões». Uma das tribos celtas mais célebres nesta região foi a tribo dos Zoelas.

Estas e outras tribos anteriores fizeram as «civilizações Antigas» dos rios Douro, Sabor e Angueira.

O Período Romano no Concelho de Mogadouro está documentado por muitos elementos que vão desde a arte e religião até à vivência sócio-económica.

É digna de visita a Ara Romana ao Deus Júpiter Depulsori, conservada ainda na povoação de Saldanha. O monumento foi construído no tempo de Septímio Severo (Séc.  III D. C.).

Por todo o concelho têm aparecido lápides funerárias e também objectos vários que atestam bem a força da «Romanização» nestas terras.

Do período visigótico é a única lápide Paleo-Cristã descoberta no distrito.  Apareceu no termo de S. Martinho do Peso e está actualmente no Museu do Abade de Baçal em Bragança.

Da época muçulmana restam alguns elementos do artesanato regional - linho e lã - ou seja a tinturaria e os desenhos das colchas, tapetes e toalhas de linho e lã.

É mais nítida a acção da gente destas terras nos alvores da nacionalidade.

O castelo de Penas Róias foi construído no tempo de D. Afonso Henriques.  Na padieira da porta da torre de menagem daquele vetusto monumento diz uma inscrição medieval que « COMEÇARAM OS FUNDAMENTOS DO CASTELO CHAMADO PENA ROIA NA ERA DE 1204 (1166 da era cristã) SENDO MESTRE GERAL DOS TEMPLÁRIOS GUALDIM PAIS ».   O castelo de Mogadouro é da mesma década.

D.  Afonso III deu foral a Mogadouro em 1272 e 1273.

Quando da crise dinástica de 1383-85, Mogadouro tomou voz pelo rei de Castela, como represália, D. João I elevou a vila a «poboa» do Azinhoso, desligando-a de Mogadouro.

Durante o século XVI a vila de Mogadouro manteve-se parada.

Foi a partir do século XVI que Mogadouro teve progresso notável. A família dos Távoras, que nesta altura toma o comando da vila e da sua fortaleza, contribuiu imenso para o desenvolvimento desta terra.  Foi por acção dos Távoras que, em 1559, se fundou a Santa Casa da Misericórdia , e mais tarde o seu templo.  São ainda obra da nobre família dos Távoras a ponte entre Valverde e Meirinhos, construída em 1677 e a ponte de Remondes entre Mogadouro e Macedo de Cavaleiros, construída em 1678.

Também aquela família de nobres contribuiu para a construção de algumas igrejas e retábulos nas várias povoações do concelho, nos séculos  XVII e XVIII, sendo dignas de relevo as obras do Convento de S. Francisco, a actual igreja Matriz de Mogadouro, a capela de N. Senhora da Ascensão no alto da Serra da Castanheira e outras.

Poscritos do Reino de Portugal por D. JoséI, depurados nas pessoas confiscados nos bens pelo Marquês de Pombal, os Távoras desapareceram para sempre.

Com a morte dos Távoras, o concelho de Mogadouro ficou mais pobre. Durante o século XIX as famílias influentes de Mogadouro pouco fizeram pela sua terra.

Levantou-se, no fim do século, a voz combativa do «poeta» jurista Trindade Coelho para defender a sua terra, mas nada adiantou.

Esta terra foi e continuou por muito tempo esquecida dos poderes centrais.

Hoje, Mogadouro é uma populosa vila cheia de progresso e com óptimas condições para o futuro.

No campo cultural Mogadouro tem Escola Preparatória, e Escola Secundária.

Nas povoações do concelho funcionam, com muita actividade, trinta Associações Culturais e recreativas coordenadas pelo Projecto Cultural (experimental) integrado, com sede em Mogadouro.

Existem ainda na vila dois excelentes «Conjuntos» musicais e uma banda filarmónica.

seta.jpg (1059 bytes)

[ Home Bemposta ]

 

 

 

 

 

 

3

O PATRIMÓNIO ARTÍSTICO

 

CONCELHO DE MOGADOURO

 Pelo Drº António Rodrigues Mourinho

      Sempre que nos temos interessado pelos valores históricos do Concelho de Mogadouro e à medida que a investigação caminha, mesmo a passos lentos e imperfeitos, vamos descobrindo um mundo de valores que é necessário explorar e conservar convenientemente. É ainda muito rico o Património Artístico do Concelho de Mogadouro, apesar da quantidade de monumentos que se destruíram ao tentar reedificá-los ou dos que se arruinaram pelas intempéries ou pela incúria de pessoas responsáveis pela sua conservação; ou ainda porque inúmeras peças de metal e madeira foram vendidas aos antiquários, que enriqueceram à custa das igrejas e populações do Nordeste Transmontano e levaram para além-fronteiras muitas dessas peças. Mesmo assim, ainda por aqui ficaram muitas coisas que falam da história e da alma de um povo. Não podemos esquecer que a arte é a mais viva expressão materializada do pensamento e das aspirações do homem e do tempo em que vive. Seria exaustivo nomear e explorar, quer por palavras, quer por imagens, as centenas de obras de arte que existem ainda em todas as povoações do concelho, desde a arte neolítica até à arte contemporânea.  Começando pela primeira, teremos de apontar as pinturas da fraga da Letra, por mim identificados em Novembro de 1973. É um abrigo com algumas figuras esquemáticas de características Levantinas. Do período romano está ainda, em Saldanha, a ara votiva a Júpiter Depulsor, que data do séc. II  depois de Cristo e foi mandada edificar por um veterano da Legio Septima Gemina. É provável que tenham passado por aqui os Visigodos.  Deles consta a presença pela lápide que Proteu mandou fazer para a sepultura de sua mulher Turesmude, no ano de 634, lápide que apareceu em S. Martinho do Peso. Do estilo Românico estão as igrejas de Algosinho, Vila dos Sinos, Travanca (em parte), Azinhoso (esta gótica em parte).  Restos de arte românica existem em muitas igrejas e capelas do concelho. Passando pelo gótico, há a registar as portadas da igreja de Azinhoso, embora em período de transição.   Também as abóbadas das capelas-mores das igrejas paroquiais de Mogadouro, Travanca, e da Capela de Nossa Senhora da Ascensão, no alto da Serra da Castanheira.  Somos de opinião que a Igreja Paroquial de Mogadouro e a capela do Alto da Serra da Castanheira foram obras mandadas fazer pela nobre família dos Távoras. Se vamos para o período Renascentista, mais propriamente, Maneirista, é a Igreja e convento de S. Francisco de Mogadouro com os seus arcos abatidos de traça «Jesuítica» e é toda a fachada do templo, bem Maneirísta, em toda a extensão da sua expressão fria e pouco ornamentada.   A igreja de S. Francisco é de planta criptocêntrica, no dizer de Roberth Smith, e tem toda a estrutura arquitectural das Igrejas Jesuítas do século XVII. É este monumento de 1685. Todos os templos do concelho foram remodelados no século XVIII, fruto do surto demográfico, do ouro do Brasil e também da própria revolução no gosto pelas novas, resultado da cultura do tempo, que as próprias personalidades formadas pelo alto clero, alta burguesia e nova nobreza foram criando, levando o povo a modificar o panorama artístico do concelho.Se passarmos para a arquitectura profana, começaremos pela arquitectura militar. Os dois monumentos que temos neste campo são os castelos de Penas Róias e o castelo de Mogadouro, duas relíquias medievais que ainda desafiam os homens na sua técnica de construção e as intempéries na sua força devastadora.  O castelo de Penas Róias foi mandado edificar por Gualdim Pais no ano de 1166 e o de Mogadouro deve ser da mesma década.  Na Quinta de Nogueira está o célebre Monóptero, que deve ter sido santuário erigido pelos Távoras em honra de S. Gonçalo.  Deve datar do século XVII. É pena que uma peça de arte tão simples, mas tão rara, esteja escondida no meio de um carvalhal, onde quase ninguém, hoje, o pode apreciar. As grandes famílias construíram os seus palácios ou solares de habitação, e disso temos exemplo no grandioso solar dos Pimentéis, em Castelo Branco, obra dos finais do séc.  XVIII, de traça influenciada pela arquitectura do italiano Nazoni, autor das mais belas obras de arquitectura da cidade do Porto no séc.  XVIII.  Este palácio é, sem dúvida, a mais bela obra de arquitectura civil de todo o Nordeste.Mas não esqueceremos o solar dos Morais Pimentel em Bemposta, edifício do século XVII, com os seus lindíssimos brasões, assim como não deixaremos de apontar o solar dos Morais em S. Martinho do Peso, com o seu brasão bem rocaille, cheio de finura e arte, que faz da pedra de arma uma das mais artísticas e mais bem decoradas do Nordeste. É de relevar também o solar dos Morais em Tó, pela sua grandiosidade e pelo recheio interior.Ao referirmos a parte da arquitectura, muito mais podíamos acrescentar.  Não vamos pôr de parte a arquitectura pura popular, por ser pobre. É pena que Trás-os-Montes seja, neste campo, uma manta de remendos e não se tenham aproveitado as formas arquitecturais populares, dando-lhes um aspecto mais actual.  Foi a emigração e o gosto pelas coisas dos outros, que parecem sempre mais «bonitas do que as nossas».

No que diz respeito à pintura, o concelho possui ainda uma boa quantidade de peças.  São as pinturas a fresco da Igreja Paroquial de S. Martinho do Peso, documentadas e datadas do séc.  XVI, as pinturas da Capela de Santo Cristo de Castro Vicente, também da mesma data, as pinturas a fresco do tecto da capela-mor da Igreja da Misericórdia de Mogadouro, executadas por Manuel Maria Teixeira de Matos, no ano de 1787, as pinturas de Igreja paroquial de Travanca, que devem datar do séc.  XVI-XVII, e não iremos esquecer a mais antiga destas pinturas a fresco, que é o Arcanjo S. Miguel do túmulo do vigário Luís Annes de Madureira, que data do séc.  XIV e que está na Igreja Paroquial de Azínhoso.  Isto, para nomear as principais obras a fresco.

Se vamos para o que toca aos quadros e caixotões, então teremos muito que dizer, porque o Concelho tem ainda quadros dos primitivos pintores portugueses em Meirinhos e em Azinhoso.  Aqui, na Igreja Paroquial, está um riquíssimo quadro que representa a Adoração dos Reis.  Não tenho receio de afirmar que é digno da escola de um Grão-Vasco.  Estudá-lo-emos em outra ocasião.

Ainda dentro da arte da pintura do séc.   XVI e XVII, estão os painéis de S. Martinho do Peso, do retábulo do altar-mor da igreja paroquial de Algosinho, e os painéis do retábulo do altar-mor da Igreja paroquial de Vale da Madre.  Todos estes quadros e painéis são de uma riqueza artística muito grande e dignos de todo o apreço e conservação.

Do séc.  XVIII temos os tectos pintados da capela de Nosso Senhor dos Aflitos de S. Martinho do Peso, o tecto da capela-mor da Igreja Paroquial de Figueira de Mogadouro, o retábulo de S. Bartolomeu de Vila dos Sinos e o tecto da capela-mor da Igreja Paroquial de Vilarinho dos Galegos.

No que diz respeito à escultura, há no concelho dezenas de imagens de valor inestimável.  As imagens de Nossa Senhora da Natividade do Azinhoso, S. Lourenço e Nossa Senhora do Rosário de Valcerto; lmaculada Conceição, que era da família dos Morais e está na posse da família da Sr.ª Conceição Sarmento, em S. Martinho do Peso; quase todas as imagens da igreja e capelas de Saldanha; a imagem de Nossa Senhora que está no altar-mor da igreja de Travanca, e tantas e tantas outras, que seria exaustivo registar aqui, são riqueza que não se pode avaliar e que é necessário conservar a todo o custo

E para terminar este pequeno trabalho de síntese sobre o Património Artístico do Concelho de Mogadouro quero ainda referir-me à quantidade de alfaias sagradas.  São dignas de resisto as custódias-relicários do SS.mo Sacramento de Azinhoso (princípio do séc.  XVI); as custódias de Valcerto (fins do séc.  XVI), Tó (séc.  XVII), Brunhoso, Variz, Urrás, Bruçó, todas do séc.  XVII; S. Martinho do Peso, Vilariça, Castanheira, Sanhoane, Bemposta, Mogadouro e Meirinhos, todas do séc.  XVIII.  A custódia de Mogadouro está datada e tem a seguinte legenda no fundo da base: «Esta custódia mandou fazer Francisco Manuel Eiras Anastacio Prior do Mogadouro por ordem de Sua Alteza Sereníssima Anno de 1760» Esta custódia é uma lindíssima peça de arte Pombalina.

Mas, que diremos da quantidade de cálices de prata, que são de todas as épocas, desde D. Manuel ou de D. Afonso V até aos finais do séc.  XVIII, mais artísticos uns, menos ricos outros; da quantidade de turíbulos; de castiçais de estanho, metal amarelo e até madeira; das caldeirinhas da água benta, tantas delas tão velhinhas e tão conservadas que fazem lembrar com sentimento as almas e crenças medievais; as cruzes paroquiais das nossas igrejas, todas elas de valor artístico e até material; as cruzes das almas, na sua maior parte em forma de flor de liz, que lembram as confrarias e a devoção das nossas gentes e a saudade dos seus mortos?!

Os arcazes, as camas velhas, os almofarizes, as caldeiras, as bacias de estanho e cobre, os candeeiros dos mortos e os crucifixos de arte popular que abundam nas casas particulares e tantas e tantas outras coisas que registar não podemos, por agora.

Um apeio aqui fica para que todos aqueles que possuem valores desta natureza os guardem, os defendam e os estimem e conservem.   Como guardamos as relíquias dos santos, vamos também guardar, conservar as poucas ou muitas relíquias de arte que os mais velhos nos deixaram.  Incentivados pela sua memória e pelo seu trabalho, que as novas gerações construam também obras de arte que as tornem dignas dos que passaram e dignas de admiração por parte dos que vierem.

 

OS MONUMENTOS

O CASTELO Medieval que a sudoeste da Vila se levanta, como autêntica acrópole, sobre a vetusta cidadela do Penedo, foi construído pelos Templários de Gualdim Pais, no século XII (1165-1175).

O Castelo de Mogadouro e o de Penas Róias, da mesma época e da mesma traça técnica, são duas relíquias da arquitectura militar medieval, dignas de conservação e estima.

A IGREJA Matriz de Mogadouro que actualmente é um templo de três naves, teve por antecedente um simples templo de uma só nave com a capela mor coberta por um tecto de madeira.

A construção actual de três naves é de bem adiantado século XVI.  Foi mandada edificar pela nobre família dos Távoras com a ajuda dos rendimentos da velha Comenda da Ordem de Cristo.  O interior da Igreja está ornamentada com riquíssimos retábulos de talha barroca do século XVIII.  Na sacristia está um lindíssimo retábulo maneirista do século XVII.  Este retábulo deve ter sido o primitivo altar mor, substituído no século XVIII pelo actual retábulo rocaille pombalino.

O Convento de s. Francisco, foi mandado construir no século XVII por um familiar dos Távoras em cumprimento de um voto. Terminou a obra em 1689. É de estilo Maneirista, pobre e frio em ornamentação, exterior mas rico na arquitectura.

Podemos considerar o Convento de S. Francisco como uma das boas obras arquitecturais do estilo maneirista em Portugal. O interior da Igreja está Ornamentado com retábulos de talha riquíssima dos Séculos XVII e XVIII pelo entalhador Manuel Lopes Matos, natural de Viseu.

No centro da vila está o monumento a S. Sebastião.

É um simples baldaquino que, pela forma arquitectural e pelas características iconográficas deve datar do século XVII.

Existe ainda um pelourinho de fuste hexagonal e cabeça de quatro pontes

 

seta.jpg (1059 bytes)[ Home Bemposta ]

[

 

 

 

 

 

4

O PATRIMÓNIO CULTURAL

       

       CONCELHO DE MOGADOURO

 

   Pelo Drº António Rodrigues Mourinho

Vivemos uma época em que as pessoas mostram cada vez mais interesse pelo saber. Sente-se a necessidade de saber ler e escrever, saber contar, saber entender.

E não contentes com isso os povos procuram saber a origem própria de cada indivíduo e de cada família.  Procuram-se as raízes dos costumes e tradições e pede-se explicação para eles.

Surge assim o interesse pela História da arte, da economia, da religião, da cultura de cada povo e de cada civilização.

Seria impossível satisfazer a curiosidade legítima de tantas pessoas que querem saber e procuram a origem de pessoas e coisas.  Apesar disso, e porque a gente deste concelho de Mogadouro não faz excepção no campo e no desejo de saber, um grupo de pessoas de boa vontade lanchou-se ao encontro desse desejo legítimo e foi daí que surgiu o Plano ou Projecto Integrado de Desenvolvimento Cultural de Mogadouro.

Grande em extensão territorial, o concelho ainda não permitiu recolher tudo o que fosse necessário para uma análise completa dos seus valores quer etnográficos quer artísticos.  Mas o pouco que sabemos e recolhemos de muitos dos seus povos já nos vai dando uma visão da riqueza que ainda possui no campo da cultura popular e que de maneira alguma se pode deixar desaparecer.

A incúria de pessoas cultas, o desinteresse das populações aliado a uma certa ignorância dos valores ancestrais, o surto esmagador da civilização industrial, a música comercial, e o artificialismo que nos nossos dias vai aparecendo por toda a vai fazendo desaparecer os restos de civilizações que nos vão deixando certas saudades e das quais gostaríamos de ter muito mais conhecimentos.

Terra de lavradores e caçadores, este concelho conserva ainda muitas das tradições ancestrais que se vão manifestando ao longo do ano em festas e costumes de grande significado e profundidade etnográfica que podemos ainda hoje apreciar e estudar em muitas das povoações do Concelho.

Como em todo o Nordeste, as festas de carácter etnográfico começam pelo dia de S. Luzia (13 de Dezembro) - chamada a luminosa.  A partir desta data, os dias começam a diminuir em intensidade e duração de luz e calor.

É muito provável que na Idade Média esta festa se tenha instituído e celebrado para cristianizar a espera de uma nova luz e para cristianizar também o começo das festas do Solstício de Inverno.  

 

AS FOGUEIRAS DO NATAL - Os povos antigos e muito especialmente os do Hemisfério Norte, quando os dias começavam a diminuir, à medida que se aproximava o Solstício de Inverno, temiam que o sol se extinguisse completamente.  Por isso mesmo adoptaram costumes rituais apropriados para estas épocas do ano que tinham por fim chamar o sol a brilhar de novo com mais intensidade de luz e calor, para que a Terra Mãe não deixasse de ser fértil e fecunda.

Entre os rituais das festas dos Solstícios podemos apontar entre nós, o costume das "Fogueiras do Natal" ou "Fogueiras do Galo" que se acendem em todos os povos do Nordeste na Noite de Consoada.

Sabemos bem como as mocidades das povoações desta região, na Noite de Natal, dão volta às povoações puxando um carro de bois que carregam com o s toros mais grossos que encontram "desprevenidos" ou que os donos deixaram de propósito às portas ou nos sequeiros para a fogueira do galo.

Com o aparecimento dos tractores agrícolas, além dos toros que juntam à volta das povoações, os mocos vão pelo termo à procura de troncos que tenham ficado por lá esquecidos.  Mas já antes do aparecimento dos tractores isto se fazia com carros de bois e até com as rastras.

Existe ainda o brio das fogueiras e o bairrismo chega a tal ponto que as mocidades têm um certo orgulho em apresentar cada um a melhor fogueira.

Para a nossa gente o Natal não seria Natal nem teria graça se não se fizesse a "Fogueira do Galo".

Mas se formos perguntar a velhos e novos o motivo que os leva a acender a Fogueira do Galo, responder-nos-ão que é um costume de toda a vida.

Não há dúvida que a tradição tem muita força.

Ao longo dos séculos e passando de geração vai-se esquecendo o significado de tantas coisas e factos que parecendo insignificantes encerram em si uma profundidade cultural e religiosa que define bem as crenças do homem da Pré-revelecão Monoteísca e Cristã.

As fogueiras do Natal são ritos de fogo sagrado e lume novo e são mais frequentes por ocasião do Solstício de Inverno.

Os antigos acendiam as fogueiras com a intenção de persuadir o Sol a brilhar com maior intensidade de luz e calor.

O culto do sol ocupa um lugar primordial na História das Religiões e civilizações antigas.

Já na civilização e religião egípcia se acreditava que o sol encarnava na pessoa do Faraó.  Os antigos habitantes das margens do Nilo compuseram hinos e cânticos belíssimos em honra do deus Sol.  Aparecem hinos como este:  

 

 

"Que belo és quando te levantas no horizonte do céu ó Rã (Sol) 

tu que dás origem à vida.  Quando repousas no horizonte 

ocidental, a Terra fica em trevas como morta... 

Tu criastes a Terra segundo o teu coração com os homens e os

animais tudo o que na Terra existe..."

 

      Assim se exprimiam em honra do sol as civilizações das Pirâmides.

      Mas não só os egípcios também os Sumérios e os povos das civilizações Antigas do Próximo Oriente desenvolveram a "teologia" solar de uma maneira extraordinária.

Na Grécia e em Boma o culto solar ocupou um lugar de segundo plano.  Em Roma aquele culto foi introduzido pelas populações Orientais, entre elas os soldados e os comerciantes.  Desenvolveu-se com grande intensidade e esplendor nos tempos imperiais, mas cheio de artificialismos rituais causados pelo culto dedicado exclusivamente ao Imperador.

      O culto solar na Península Ibérica é anterior aos Romanos e foi com certeza, introduzido por comerciantes egípcios, cretenses, fenícios e mais tarde cartigineses e ceitas.  Depois de terem abordado as praias marítimas, muitos deles seguiram o curso dos rios e fixaram-se nos terrenos mais produtivos para a agricultura e onde puderam encontrar metais que lhes pudessem servir para fabrico dos seus utensílios e trocas comerciais.

      Não há dúvida que há uma relação muito directa e forte entre as civilizações dos castros e as festas solsticiais e outras festas de carácter etnográfico que ainda aparecem hoje neste e em outros concelhos do Nordeste.

      Essas festas gentilicas carregadas de ritualismo pagão existem a par das festas e da liturgia cristãs e são relíquias que não se podem perder e que devem voltar à sua pureza ritual primitiva em que tudo for possível.

      Quando falamos nestas festas solsticiais queremos dizer que a par das fogueiras do Natal outros ritos e festas se instituíram, desenvolveram e Celebram naquela quadra festiva em que a Igreja Católica celebra o Nascimento de Cristo como o Sol que ilumina todo o homem que vem a este mundo.

Há ainda, pelo menos, duas povoações no Concelho de Mogadouro onde precisamente no dia de Natal aparecem ritos de sabor gentilíco ou pagão misturados com o ritual cristão:

Na povoação de Vale de Porco a festa do "VELHO" ou Chocalheiro.

Na povoação de Bruçó a festa dos "VELHOS" que antigamente tinha também Chocalheiro.

No dia 26 de Dezembro, festa cristã de St. Estevão, aparece em Bemposta o Chocalheiro.

No dia 1 de Janeiro aparece em Tó o "FARANDULO" e a "CÉCIA" e em Bemposta de novo o "CHOCALHEI RO".

Apesar de não ser especialista em Etnografia, atrevo-me a fazer uma breve interpretação etnográfica-iconográfica de alguns elementos que constituem as máscaras de algumas das figuras que aparecem nestas "bizarras festividades".

    Apesar da sua máscara terrível e medonha que faz ainda arrepiar muita gente, o chocalheiro é uma figura simpática e cheia de significado.

Vestido de linho grosseiro tingido de preto, o chocalheiro de Bemposta aparece como uma figura tauromórfica.

Nas pontas dos chifres ostenta duas laranjas espetadas; cai-lhe do "queixo uma barbicha de bode; na parte da nuca pende-lhe uma bexiga de porco cheia de vento; na testa tem um disco e escorrendo pela face uma pequena serpente; na mão segura uma tenaz e rodeada à cintura mostra uma serpente de grande porte".

Não há dúvida que todos estes elementos são iconograficamente importantes e podem-nos dar pistas muito interessantes para a interpretação etnográfica e mitológica da figura.  Além de tudo, pode contribuir para que possamos saber alguma coisa sobre a origem desta e de outras figuras e o seu significado.

Sabe-se que na Ásia Menor também há chocalheiros, ainda hoje.  Mas se consultarmos um bom compêndio de História Geral, encontramos já na Civilização Cretense - entre o ano 3. 000 e 2. 500 A. C-Hélios, o deus Sol como esposo da Mãe Terra representado por uma figura tauromórfica.  Mas não só em Creta também já nas civilizações do Antigo Oriente encontramos figuras tauromórficas representando o Sol e outras divindades.

No Egipto, a deusa Athor, divindade protectora da facundidade, aparece-nos representada por uma figura de mulher com cabeça de vaca e no baixo relevo da Baleta de Narmer essa figura aparece como deusa geradora de todos os deuses da mitologia Egípcia Antiga.

Seguindo a opinião de grandes autores da História da Antropologia e a da Etnografia como Mircea Heliade, Mischa Titiev, Dr. José Leite de Vasconcelos e outros, não vamos errar, se dissermos que as figuras tauromórficas do Chocalheiro da Bemposta, do "VELHO" de Vale de Porco e do antigo Chocalheiro de Bruçó são símbolos da Magna Mater Divina, a Terra Mãe.

O touro representou para os antigos a força física e creadora e onde quer que este símbolo apareça quer nas culturas Neolíticas quer na iconografia ou nos ídolos de forma bovina eles marcam a presença e são a expressão da Grande Mãe da Fertilidade.

Mas há outro símbolo fundamental que não pode passar despercebido na interpretação iconográfica da máscara do Chocalheiro de Bemposta: É a serpente que tem rodeada à cintura e também na testa. É de notar também que o antigo chocalheiro de Bruçó tinha uma máscara ornamentada com serpentes pintadas.

A serpente é um animal simbólico da fertilidade.  Mas além de simbolizar a fertilidade, a serpente é um animal de simbolismo polivalente, mas todos os símbolos "convergem para uma única ideia central: a serpente distribuidora de fecundidade, ciência e, mesmo, imortalidade.  Lembremos o caso do Livro do Génesis em que a serpente apontava a Adão e Eva o caminho da deificação, se comessem o fruto da árvore proibida por Deus.  Além disso havia um mito arcaico que dizia que a serpente guardava a fonte sagrada da imortalidade.

Na Grécia e em Roma havia crenças que afirmavam que as serpentes acasalavam com todas as mulheres.

        Crenças relacionadas com a serpente e a fecundidade existem em toda a Europa, ainda hoje, mesmo entre nós.  Um pequeno exemplo é ouvir dizer com frequência que quando as cobras saem das tocas a chuva não falta o que pode estar relacionado com antigas crenças que relacionavam as serpentes com a fertilidade da Terra Mãe.

A nossa gente ainda hoje diz que a "chuva é o sangue da terra".  Outro exemplo da relação mulher-serpente-fecundidade-fertilidade é o caso da Índia em que as senhoras que desejam filhos adoram as serpentes.

No caso do Chocalheiro de Bemposta e de Bruçó a serpente será mais um símbolo da Terra Mãe que tudo produz para a vida do homem desde a água até às plantas e animais.

Os frutos que o Chocalheiro ostenta no alto dos chifres não são mais do que o símbolo dos frutos que se desejavam e desejam para o novo ano que começa.- E o caso das Fogueiras do Galo: o homem do gentilismo desejava luz e calor? acendia fogueiras para atrair o Sol.  Queria frutos da terra abundantes? ostentava os frutos da colheita; queria água abundante? entornava água no chão.

Nestas figuras aparecem outros elementos que, embora de menos valor, não nos devem passar despercebidos.

Em Bemposta o Chocalheiro apresenta-se "armado" de uma tenaz de ferro.

   Em Vale de Porco o "Velho" aparece de espeto na Mão.

      Em Tó o "Faranduio" aparece com uma estaca de pau.

Estes instrumentos serviam para tirar peças dos fumeiros nas casas onde aqueIas figuras entravam.

Figuras de "Velhas" armadas de fortes garfos aparecem-nos também nas festas de fim de verão aqui no Concelho de Mogadouro.  Aquelas "Velhas", que são homens vestidos de mulher à antiga, acompanhavam a dança dos paulitos e entravam nas casas nos dias de festa e roubavam das panelas o que lhes fosse permitido levar.

Havia povoações onde estas figuras levavam botas de vinho para dar de beber aos "dançantes" e para eles próprios beberem até à embriagues.

Em Tá o mordomo da festa do Santo Menino, que se celebrava e celebra nos primeiros dias de Janeiro, dava pão, vinho, frutos secos e doces a toda a população.

Seriam estes frutos distribuídos com o sentido propiciatório, desejando um novo ano cheio de riqueza e fertilidade? É possível que assim fosse.

O que é certo é que estes comes e bebes são, ainda hoje, frequentes nestas e em outras festas, principalmente no fim do Verão e não há dúvida que são restos de celebrações de Bacanais que aqui ficaram.

Das festas Dionisíacas dos gregos também nos ficou alguma coisa.  Dos ritos Dionisíacos ficaram as "procissões" com as figuras etnográficas, acompanhadas com os instrumentos musicais populares: a gaita de foles, a caixa e o bombo.  

Em alguns sítios usavam a flauta a que os Romanos chamavam tíbia, mas que tem origem Pré--histórica.

Voltando um pouco atrás e lembrando tudo o que os velhos, chocalheiros e farandulos recolhem, devo acrescentar que hoje tudo reverte em favor da festa religiosa e profana, mas antigamente não era assim.  O que se recolhia era para o repasto bacanal que estas figuras faziam com outras pessoas.

A figura do farandulo de Tó bem como os outros dois elementos que formam o conjunto -- a cécia e o moço - trava uma luta com a cécia.  Será esta luta entre farandulo e a cécia o símbolo do antagonismo entre a luz e as trevas?  O moço que se coloca sempre entre o farandulo e a cécia não será o símbolo do poder invisível que defende a luz e faz com que ela brilhe com mais intensidade?  Assim somos levados a crer e a interpretar.

Outra coisa interessante que apreciamos na actuação do "farandulo" é que ele nunca segue o caminho direito.  Vai sempre ou por atalho ou pulando as paredes e, se o deixarem, entra nas casas e enche, pouco a pouco, o saco com chouricas, salpicões e o mais que possa apanhar.

É realmente uma festa extraordinariamente bizarra esta do Farandulo em Tó !!.

Além das festas de Vale de Porco, Bruçó, Bemposta e Tó e ainda dentro do período solsticial, não quero esquecer a festa de S. Sebastião em Brunhosinho com a sua "chocalhada" ou "pandorca" que começa no dia 17 de Janeiro e vai terminar com a fogueira no dia dezanove e com a festa propriamente dita no dia 20.

Também em Soutelo, no 3º Domingo de Janeiro se celebra a festa do Santo Nome de Jesus. É a célebre festa do "Vítorró". É festa do ramo de rosquilhas que metia também na véspera ou nesse dia mesmo uma chocalhada e a saudação ao mordomo da festa: "Vitorró, senhor mordomo".  Infelizmente conserva pouco da sua pureza etnográfica primitiva a festa do "Vitorró".  "Mas o ramo mantem--se.

Os ramos existem ainda em muitas povoações do Concelho de Mogadouro: Soutelo, Valcerto, Vilarinho dos Galegos, são povoações onde se festeja o ramo com toda a animação.  Em Valcerto a festa do ramo é no Domingo anterior ao Carnaval.

Este costume de ramos vêm de longe.  Vem já anotado no Livro das Visitações do Século XVII da paróquia de Brunhoso.

Nas festas dos solstícios os mascarados aproveitam a ocasião para certos abusos de toda a espécie, indo até à depravação moral e, até, à violência.

Por isso os bispos de Miranda nos séculos XVII e XVIII e os bispos de Bragança nos séculos XVIII e XIX proibiram as "chocalhadas, as Pastoradas, as Pandorcas e os fiadouros nocturnos".

Na pastoral de 31 de Janeiro de 1687 o Bispo de Miranda, D. Antônio de Santa Maria, era assim que lançava a voz contra certos costumes "abusivos".

"Também nos veio a notícia que em alguns Jogares deste nosso bispado se teem introduzido muitos abusos perniciosos: a saber pelos dias das actavas do nascimento do Senhor se fazem hum modo de festas a que chama vulgarmente "Pandorcas" fazendo danças e festejos por muitos dias com muitas ofensas a Deus comendo e bebendo demasiadamente, descopondo muitas pessoas de que resultam graves pendências e outros pecados originados de galhofas entre mancebos e moças".

"Por isso proíbe as pandorcas e se persistissem que lhos denúnciassem para proceder contra eles.

Em 5 de Junho de 1744 o bispo de Miranda, D. Diogo Marques Morato proíbia também as pandorcas: Não se façam ajuntamentos de homens e mulheres de noite nem pandorcas ou fiadelas sob pretexto algum sob pena de 100 réis e os cabeças de 500 réis".

D.          Fr. João da Cruz, bispo de Miranda, em Dezembro de 1755, proíbe bailes, jogos pandorcadas e toda a casta de ajuntamentos de homens com mulheres e as pandorcadas que de noite se costumam fazer.

Proíbe ainda os fiadouros públicos que se fazem de noite, assim nas ruas como nas casas por serem ajuntamentos de homens e mulheres, bem como as

chamadas festas de St. Estevão por se comporem de pandorcas danças, algazarras e tumultos ocasionados pela eleiçaõ de um rei e outras mais dignidades que nelas elegem por cuja ocasião tem havido mortes e pendências pelos excessos de comes e bebes que nos ditos dias se fazem".

Estes abusos eram punidos com multas pecuniárias, mas também com censuras que iam até à excomunhão.  Eram os tempos.

Mas também no século XIX, em 1869 em pleno mês de Dezembro, D. João de Aguiar, 2. Bispo de Bragança e Miranda, fazia sair uma circular em proíba as "pastoradas" do Natal por serem mais que verdadeiras orgias e "certos cânticos que dentro das igrejas fazem oferecendo ramos aos santos os quais cânticos nada têm de sagrado"...

Neste ponto não tinha razão o Prelado.  Os cânticos do Natal que ainda hoje se cantam em muitas terras e as próprias pastoradas tinham muito de sagrado.  Eram autênticos rimances em honra do Deus Menino.

O que é certo é que estes costumes estavam bem vivos entre o povo nos séculos XVII, XVIII e até XIX. É o que nos testemunham os documentos do tempo, como tivéssemos ocasião de ver.

Um facto que nos salta aos olhos e que é interessante notar é que os Prelados usam mesmo o termo "Pandorca".  Este termo usado no século XVII e XVIII tem ainda uma força de classicismo muito forte.  O significado da "Pandorca" é muito profundo, a meu ver.

Pandora era a divindade grega, senhora de todos os dons.  Pan era um deus venerado em toda a Arcádia, na Grécia, e era o protector dos pastores, cabreiros ou cabaneiros e seus gados, mas era também um deus da fecundidade.

Se associarmos todas estas ideias encontramos em todas estas festas e celebrações muito da mitologia antiga misturada com mitologia grega, romana e cristã.

Isto não podia deixar de ser num povo que sofreu a mistura de tantas raças, ideias e religiões.

Seria exaustivo, se tentássemos descobrir o significado profundo das festas populares de carácter etnográfico.

Apesar das proibições dos Bispos, apesar dos seus milénios de existência, o povo conservou estas festas rituais. É um sinal evidente que elas estão bem enraízadas e fazem parte da alma popular.

Deixar extinguir o pouco que ainda existe é acabar com o que há de mais puro neste rincão Nordestino e é criar um vazio que nunca mais será preenchido.

Ainda nesta quadra do Natal teríamos de falar na festa dos Reis que em algumas regiões chamam "Janeiras". É uma festa cristã, mas tem a sua origem nas festas romanas em honra do deus Jano.  Era um deus com duas faces, uma voltada para o presente e outra para o futuro.  Os Reis -comes e bebes- são restos de Bacanal de mistura com ritos solsticiais.  Havia quadras bem populares e que dizem bem o significado da festa.

 

Nós pedimos, nós pedimos,

Mas não pedimos dinheiro

Pedimos passas e figos e

Linguíças do fumeiro.

 

Viva lá, senhor F...

Raminho de salsa crua

Quando vai para a igreja

Alumia toda a rua.

 

Quem vem aqui de tão longe

De noite pelo escuro

Certo é que quer provar

Desse seu vinho maduro.  

 

 

      Estas e outras quadras entoadas por grupos de pessoas no silêncio das nossas aldeias serranas, em noites iluminadas pelo luar de Janeiro, faziam vibrar de júbilo a alma campesina e pura das nossas gentes transmontanas.

Se há festas dignas de ser conservadas e restauradas (onde se perderam), é a festa dos Reis.  No campo social e familiar é uma celebração que contribui imenso para a união e sã convivência entre familiares e amigos.  

 

    O CARNAVAL - Outra festa de carácter etnográfico é o Carnaval.  Nas duas semanas anteriores a rapaziadadas aldeias começa a anúnciar a festa do Carnaval.  Para isso vão aos carvalhos, enchem sacos de bolhacas e à noite vão pelas casas e as que estiverem com a porta aberta ou desfechada têm o rico presente de uma dessas sacadas de bolhacas a rolar pela casa fora.  A isto se chama "deixar cacadas". É evidente que tudo isto é feito no maior silêncio e segredo.  Os que lançam a "cacada" fogem sem deixar rasto.

Aparecem também as "pandorreiras" que são instrumentos de som estridente arranjados de um cântaro a cuja boca se adaptou uma bexiga esticada e no centro da bexiga uma palha que se fricciona com os dedos, produzindo um som esquisito.

Também as rondas de chocalhadas pelas povoações compostas de ferros e latos velhos, são brincadeiras de anúncio de Carnaval.

No dia de Carnaval ainda aparecem máscaras típicas de crítica social.

O enterro do Entrudo faz-se ainda em muitas das nossas povoações.

Ainda neste ano de 1981 se fez o enterro do Entrudo na freguesia de S. Martinho do Peso com toda a pureza do costume.  A Rádio Televisão Portuguesa filmou o enterro do Entrudo na freguesia de Travanca.

O Carnaval é uma celebração que vem de longa data.

Segundo Caro Baroja, o Carnaval de características cristã data do século XVI.

Nesse dia fazia-se a despedida da carne.  Neste, como em outros concelhos e regiões, havia gente que guardava a carne que sobrava no dia de Carnaval e só no dia de Páscoa é que a comiam.

Não se comia caldo no dia de Entrudo, porque havia o mito segundo o qual os mosquitos mordiam ao longo do ano aqueles que comessem caldo nesse dia.

"O jogo do Cântaro" e "correr as rosas" eram divertimentos próprios deste dia.

Mas de interesse etnográfico são também os "casamentos do Entrudo" .

No dia de Carnaval à noite, depois de toda a gente recolher e dormir, os rapazes munidos de funis (chamados embudes) vão para os pontos mais altos da povoação e a( fazem os célebres "casamentos".  Geralmente casam os rapazes ou raparigas melhores com as mocas e rapazes piores, (em todo o sentido) que houver na povoação.  Assim um rapaz novo pode levar por esposa uma solteirona velha e uma rapariga rica poderá levar um solteirão pobre, velho e feio, com defeitos psíquicos ou físicos.

Os dotes são todos feitos e dados com sarcasmo e ironia.

Eis o ritual dos casamentos do Entrudo, em algumas das povoações de Mogadouro:

 

- Ó camarada, um casamento vamos a fazer !!!

- Quem é, responde do outro lado o companheiro.

- É fulano com fulana.

- Está bem, está bem.  Essa é boa !!!

   -  E que lhes hemos de dar de dote?

  

 

Uma toalha de linho 

Onde o diabo limpa a cara  

Para que limpem eles  

O focinho !!

 

 

 

Os dotes eram, geralmente, e são ainda ocasião para apontar os defeitos físicos ou morais das pessoas.

Uma moça de pequena estatura recebeu de dote uns "sapatos mais altos para crescer mais."

Uma moça que não fosse limpa recebia de dote alguns kilos de soda para Iavar a cara".

Para um rapaz ou moça que não fossem muito desempenados de corpo o dote consistia "numa estaca para os endireitar."

A uma moca namoradeira "ofereceram" por dote um cântaro para ir à fonte para ver o namorado.  "E Entrudo passa tudo, diz o povo".

Há dotes mais e menos engraçados que por vezes davam mau resultado. É a "vindicta popular" que se manifesta nestes dias.

Além das pessoas, há em algumas povoações o costume de casar os montes como é o caso da povoação de Azinhoso onde casam dois montes opostos.

Em S. Martinho do Peso casam, ainda hoje, a corriça da Orreta com a corriça do Estil.  São manifestações telúricas que ficaram do gentilismo e que têm em si muito de ritualismo de fecundidade.  Ao longo da Quaresma a par de tudo o que é cristão aparece o costume de "serrar as velhas".

Os rapazes, munidos de serras de pau ou imitando estas fazendo a acção de serrar chegam às portas das velhas, geralmente viúvas e, ao mesmo tempo que serram vão dizendo quadras mordazes que por vezes exaltam os ânimos das pobres velhas.  Pude recolher ainda algumas dessas quadras que aqui transcrevo:  

 

 

Estamos no meio da Quaresma,

Ainda não provamos o toucinho,

Vamos a serrar a velha,

Por baixo do focinho !

 

Estamos no fim da Quaresma,

Inda não provámos o bacalhau,

Vamos a serrar a velha,

Como quem serra um pau !  

 

Serra, serra,

Bom serrote,

As costas

Do bom velhote !

  

Para uma velha de grande estatura os rapazes compuseram esta quadra:

   

Vamos a serrar a velha

Mais dura que a carqueja

Esta velha bem serrada

Dá madeira pra uma igreja.

 

Outra quadra um pouco mais jocosa para uma senhora já de muita idade:

 

Esta velha é tão dura

 Mais dura do que o ferro

Se a serra chega à miola

Ó velha que dás um berro.  

 

        É ainda no tempo da Quaresma que nas povoações do Concelho se faz a encomendação das almas com toda a devoção e respeito. 

        Com letra igual em quase todas as povoações, embora com as suas pequenas variantes e com música diferente em todas as povoações, depois da meia noite, quando as pessoas dormem o primeiro sono, um grupo de pessoas, "cantam as almas" nos locais mais próprios das povoações lembrando aos vivos com saudade e respeito as almas dos seus mortos e a obrigação de piedade que para com eles têm em consciência:  

 

 

Acorda, ó pecado

Acorda não "dormes" mais

Olha que se estão queixando

As almas dos vossos pais

Que lhes "comisteis" os bens

E delas não vos lembrais.

 

Perdoai ó irmãos meus

Por vos acordar agora

Ficai-vos com Jesus Cristo

Que eu com Deus me vou embora.

 

                    A encomendação das almas bem como tudo o que para trás ficou merece um trabalho muito mais apurado.

Não foi minha intenção ser exaustivo.

Ficou muita coisa por dizer e comentar.

                    Este pequeníssimo trabalho tem em vista a culturização da gente do Concelho de Mogadouro no sentido de valorizar mais tudo aquilo que sendo puro e nobre é digno de respeito preservação e purificação.

      É minha intenção dizer às pessoas a quem compete a responsabilidade do ensino e educação de jovens e adultos que têm a máxima obrigação de não deixar desaparecer aquilo que é nosso, deixando-o trocar por outras coisas "importadas" que lançam no esquecimento e quantas vezes, no desprezo e no abandono o que há de mais puro na alma popular.

      O progresso do Nordeste será económico, será social, mas que seja também cultural.  "Nem só do pão vive o homem".  Que a cultura se faça e desenvolva, entre nós, valorizando e explorando; estimando e conservando os costumes, as músicas, as danças, as festas e tudo aquilo que possa tornar mais humana e mais civilizada a alma grande das nossas gentes.

 

  BIBLIOGRAFIA

 

Alves, Pe.  Francisco Manuel - Memórias Histórico Arqueológicas do Distrito de Bragança - Vol. I e XI.

       

Elíade - Mírcea - Tratado da História das Religiões -- Edições - Cosmos, 1972

 

Titíev, Mísha, - Introdução à História da Antropologia.  Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1972.

 

Arquivo Paroquial de S. Martinho do Peso.

 

Arquivo Paroquial de Brunhoso, Livro de Visitações 1630 -1703

 

Arquivo Paroquial da Castanheira, Livro de Visitações de 1715 - 1800

seta.jpg (1059 bytes)[ Home Bemposta ]